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Victor235

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A editora Ercolano começa seus trabalhos este mês com o objetivo de resgatar obras antigas.

O primeiro lançamento, já em abril de 2023, é "A Menina que Não Fui", romance escrito em 1903 e nunca publicado no Brasil. 

Fonte : https://www1.folha.uol.com.br/colunas/walter-porto/2023/04/editora-ercolano-chega-ao-mercado-voltada-a-arte-e-ao-resgate-de-obras-antigas.shtml

 

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LITERATURA BRASILEIRA

A literatura negra e a poesia erótica de Anamaria Alves

Mulher, negra e sem medo dos moralistas

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Por conhecer vários escritores pessoalmente e afeiçoar-me a eles e suas literaturas, sou convidado para escrever prefácios, orelhas e contracapas de livros de prosa ou poesia, trabalho feito com satisfação; uma vez escrito, meus comentários acompanham o livro, chegando a vários leitores, entre eles, outros escritores, que terminam entrando em contato comigo e tornando-se queridos companheiros de literatura. Quando escrevi o prefácio do livro de poesia “Também estivemos em Pompeia”, da Simone Teodoro, 2019, tive a felicidade de receber mensagens de outra escritora, a Anamaria Alves, amiga da Simone, e de conhecer seus contos e poemas.

              A Anamaria vive complexificação singular enquanto escritora, sendo, na mesma pessoa, militante da literatura negra, reflexo de seu presente e passado quilombolas, e entusiasta da literatura erótica, em particular, da literatura sadomasoquista, seguindo os passos de Wilma Azevedo e Glauco Mattoso, havendo nosso contato se dado, justamente, por meio da literatura erótica. A Simone Teodoro, pelos menos em seus dois primeiros livros, faz explicitamente poesia de temática lésbica – já publiquei poemas seus em edições anteriores do DCO –; tal temática, além do sexo, envolve comportamento, vestuário, adereços, vocabulário específico e variados dramas sociais e políticos contemplados predominantemente na poesia da Simone, na qual, raramente, são tematizadas relações sexuais, desejos ou fantasias eróticas. Com Anamaria, entretanto, quando se trata de tematizar sadomasoquismo, a fantasia e sua práxis expressam-se livremente.

              No prefácio do livro da Simone Teodoro, relaciono a temática lésbica a outras temáticas sexuais, tais quais gays, travestis e transexuais, todas elas baseadas nos sujeitos sociais, mas também insisto nos ritos eróticos nos quais tais sujeitos terminam necessariamente envolvidos, da tradicional posição de missionário a encenações grupais sofisticadas, envolvendo trajes e objetos específicos. Dessa maneira, por buscar pela sexualidade além das siglas LGBT ou BDSM, chamei sua atenção e a Anamaria resolveu me escrever, apresentando-se para falar de língua e literatura.

              Primeiramente, ela me disse ser professora, isto é, uma trabalhadora; Anamaria domina quatro idiomas além do português, falando inglês, alemão, espanhol e francês, estudando atualmente russo e mandarim. Depois das línguas, conversamos sobre literatura, quando me mostrou suas publicações em revistas de literatura negra, tais quais o site da Literafro, da Universidade Federal de Minas Gerais, ou os célebres Cadernos Negros, do coletivo Kilombhoje, em que publicaram nomes importantes do movimento negro, por exemplo, Paulo Colina, Oswaldo de Camargo e Cuti.

              Nessa temática, eis o poema da Vó Maria, inspirado nas lembranças da Vó Maria da Ponte Queimada:

              Da casinha pequenininha / Que chovia mais dentro que fora / saía arrastando os chinelos / vestida de chita a velhinha. / Lenço sujo à cabeça / ou o marido zangava. / Lá ia Bisa Maria / benzer as vacas do sô Antônio! / Viviam as bichinhas / Morriam as bicheiras / E o fazendeiro contente / mandava chamar a benzedeira! / – Vai correndo depressa, menino! / O moleque resfolegante e risonho / mostrava na boca semi-vazia / apenas um único dente. / E sorrindo avisava: / Dô Maria, sô Antoin mandou eu módi avisá qui tem cabeça lá, / e a sinhóra tem qui buscá! / Ia ela arrastando seus chinelos. / E voltava com uma cabeça… / – Ispia lá qui a vó invém! / – Óia os chifre da vaca que tamanhão, vem ver, Lalá! / E por alguns dias naquela casinha, / havia carne para comer com angú. / Carne de cabeça de vaca. / Fubá de moinho d’água. / Mataram muita fome nesse Belo Vale… / de lágrimas!

              No poema é tematizada a realidade vivida por populações rurais, especificamente, o Quilombo Chacrinha dos Pretos, no estado de Minas Gerais, afastadas dos centros urbanos, contudo, socialmente fundadas em princípios semelhantes, isto é, na luta de classes, não entre a burguesia e o proletariado, enfrentada por Anamaria no seu cotidiano de professora do ensino privado, ou seja, de operária explorada pela pequena burguesia, mas nos conflitos entre camponeses e proprietários da terra. Nos versos, as lembranças da avó de Anamaria, passadas para neta em forma de literatura oral, tornam-se poesia contemporânea; no poema, expressa-se a contradição entre a benzedeira, capaz de curar as doenças do gado, sendo responsável pela saúde e a vida dos animais, receber em troca do trabalho apenas restos de carne para comer, sobras que sequer seriam os miúdos, mas somente a cabeça da vaca, cuja pouca carne se reduz a miolos.

                   A poesia da Anamaria, entretanto, não se restringe apenas aos temas da literatura negra, ela também milita na poesia erótica participando de uma minoria bastante singular, no caso, a modalidade brat do sadomasoquismo. Eis os versos do “poema de um hotel de luxo qualquer numa quarta-feira à tarde”:

              A máscara que cobre o rosto / enquanto as cordas adornam a cintura e os seios e as pernas e os braços e o pescoço // O couro do chicote beija e lambe a bunda nua e as marcas vermelhas e vermelhas e o rosto vermelho e vermelho e as lágrimas escorrem dos olhos por baixo da máscara negra e negra // Os gritos e as marcas e o chicote e as cordas e a bunda nua vermelha e vermelha e o mel que escorre da buceta brilhando e melando as pernas e os gritos e os gritos… / Não / são / de / dor.

              O sadomasoquismo, feito qualquer paixão erótica, não se manifesta homogeneamente; embora seus fundamentos sejam a liberdade, a opressão, a dor e o prazer, há numerosas formas desses valores serem revestidos pelos sujeitos eróticos em ritos específicos. Dessa maneira, há quem prefira roupas de couro, algemas e chicotes; há quem se entusiasme com técnicas de amarração; outros se realizam fazendo papeis de submissos diante das palmadas dos parceiros e parceiras… entre tantas vertentes, Anamaria insere-se enquanto “brat”. Em inglês, “brat” significa “pirralho”; nos termos do sadomasoquismo, os brats, em linhas gerais, oscilam entre a submissão e a rebeldia, não sendo o submisso clássico, sempre às ordens, mas complexificando a relação dominador-dominado mediante a desobediência. Nos versos do poema, a excitação metaforizada pelo mel e a negação da dor expressam a atividade no seio do papel passivo encenado inicialmente, pois nas primeiras estrofes está tematizado o BDSM com as figuras tradicionais do mestre e do submisso, com as cordas servindo de adorno segundo a arte da amarração, isto é, bondage ou shibari, e a utilização erótica do chicote, que não agride, mas beija.

              O que chama atenção, no entanto, é a significação dada ao chicote na poesia de uma escritora engajada com o movimento negro, portanto, com o combate a opressão e discriminação raciais, cujo chicote é um símbolo; e por ser mulher, soma-se, à luta pela igualdade sexual, ter coragem para se expor nas duas militâncias de mulher negra e sadomasoquista, disposta a contradizer, ao mesmo tempo, racistas e puritanos.

              Atualmente, além do ofício de escritora e da profissão de professora de línguas estrangeiras, Anamaria Alves é voluntária ensinando online alemão e francês para estudantes africanos. Por fim, deixo para os caros leitores um belíssimo conto de sua autoria:

              “Vô Torgamin”

              Deixa eu contar do meu avô. Dizem que a gente herda as coisas. Hoje ensinando idiomas para as crianças no Quênia, na África, eu vejo que estamos mesmo atrelados de alguma maneira. Vejo que o povo africano é dos mais inteligentes do planeta e de como dói ver negadas a essas pessoas sobrevivência e humanidade. Eu sinto a dor do esmagamento sistemático dessas crianças pequenas. Muto o microfone, desligo a câmera e choro um pouco. Volto. Meus pequenos africanos me lembram tanta coisa! Eles me lembram de mim. É como apontar um espelho para o passado e a luz que bate me traz no espelho o reflexo do meu avô Quilombola. Ele nasceu em 1920, 32 anos após a “abolição da escravidão”. E ele lutou. Todos no Quilombo Chácara dos Pretos lutaram. Vô Torgamin e vô Geraldo lutaram, mas de um jeito diferente. Lembro de escrever o “Laroyê, Vô” em homenagem ao vô Geraldo. Mais lágrimas escorrem, vou ao banheiro do meu quarto e lavo o rosto já vermelho de chorar.

              Vovô Otorgamin trabalhou na ferrovia por anos a fio. Um dia, ele caiu embaixo do trem em movimento, a roda vinha em direção a seu pescoço para arrancar-lhe a cabeça. Mais um negro morto. Mais uma vida ceifada por todo o peso do ferro que nos esmaga desde os cascos dos negreiros. Naquele momento, quando a vida passou diante de seus belos olhos cor de noite sem lua, ele ouviu uma voz macia: “Apesar do volume do sangue e da água ser o mesmo, a densidade do sangue é maior que a da água. Por definição, a densidade de um corpo é o quociente de sua massa pelo volume delimitado pela sua superfície externa. Você está ouvindo o Projeto Minerva, na sua rádio …..”

              Em um momento de lucidez que durou a exata fração de um segundo, ele retirou a cabeça do trilho, mas o trem não ficaria sem moer ao menos um membro do corpo negro de meu avô. Quando a roda passou por cima de sua perna e a esmagou, o sangue jorrou de um jeito que todos acharam que ele estaria morto. O maquinista não parou o trem. O maquinista era uma espécie de ceifador todo poderoso que, trazendo consigo a tecnologia, espalharia morte e destruição pelos vilarejos. Meu avô não chorou. Não demonstrou ter sentido dor. Quando finalmente pararam o trem para retirar o cadáver, ele estava vivo e não havia sequer desmaiado. Minha avó às vezes nos contava essa história. Foram dias internado em um hospital e o homem que costumava correr livre em cima dos vagões de trem saiu preso a uma cadeira de rodas. Vida que esmaga. Mas como dizem os jovens de hoje, vida que segue. Foi assim que eu o conheci, sentado na cadeira de rodas. Meu avô parecia um Rei. Ele viu a cara viva da morte e viu sua perna esmagada em carne viva e nervos e viu seu sangue jorrar mais denso que a água e apesar da luz que sempre o iluminou ter quase cegado os seus olhos, vô Torgamin sobreviveu para ver os netos. Meu avô parecia um Rei. Muitos anos antes, meu avô pisou no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro ao lado de Abdias Nascimento para encenar uma peça de Teatro. E depois ele se casou, teve sete filhas e um filho, criou todos. Ele ouvia todos os dias na rádio o projeto Minerva, programa educativo, na busca de adquirir cultura. Meu avô parecia um Rei. E depois, por causa de sua caligrafia e criatividade, passou a escrever discursos para políticos de Minas Gerais.

              “Belo Horizonte, 20 de maio de 1960, ano de nosso Senhor Jesus Cristo. Saúdo a todos os amigos de jornada e futuros eleitores. Exponho nessas linhas bem traçadas meus planos…”

              Só existia papel almaço naquela época. Senhor Otorgamin escreveu certo por linhas que ele mesmo traçou. Meu avô parecia um Rei.

              E depois de morrer, batizaram a ponte com seu nome: Ponte Otorgamin Francisco Dias.

              Meu avô era um Rei.

https://causaoperaria.org.br/2023/a-literatura-negra-e-a-poesia-erotica-de-anamaria-alves/

 

 

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NOTÍCIAS

A Via, das marcas Casas Bahia, Ponto e Extra.com.br, aderiu ao mercado de livros digitais. A empresa fechou uma parceria com a Skeelo, aplicativo de leitura, para disponibilizar mais de 80 mil títulos de ebooks e audiolivros.

Fonte : https://oglobo.globo.com/blogs/ancelmo-gois/post/2023/04/mais-uma-marca-entra-no-mercado-de-de-ebooks-e-audiolivros.ghtml

 

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  • 3 semanas depois...
NOTÍCIAS

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Na edição comemorativa de 40 anos, a Bienal do Livro do Rio apresenta sua nova identidade visual. 

Trata-se de "uma marca mais coesa, versátil e moderna, que dialoga com o conceito do festival este ano".

A proposta em 2023 é explorar "a capacidade humana de sentir e se emocionar em meio às experiências tecnológicas, digitais e ditadas pela inteligência artificial".

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Fonte : https://oglobo.globo.com/blogs/ancelmo-gois/post/2023/05/bienal-do-livro-do-rio-ganha-nova-marca-para-celebrar-seus-40-anos.ghtml

 

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  • 2 semanas depois...
Chapolin Gremista
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https://causaoperaria.org.br/2023/recordacoes-do-escrivao-isaias-caminha-um-romance-autobiografico-2/

APONTAMENTOS

Recordações do Escrivão Isaías Caminha, um romance autobiográfico

Primeira obra de Lima Barreto denuncia a condição social do negro pobre e a superficialidade dos intelectuais, críticas que cabem muito bem à sociedade de hoje

ste ano, no dia 1º de novembro, completou 100 anos da morte de um dos mais importantes romancistas brasileiros, Afonso Henriques de Lima Barreto. Morto no quase total esquecimento, produto de sua vida cheio de desgraças e do ostracismo imposto pelos meios intelectuais da época que o desprezaram, internado três vezes num manicômio, vítima do alcoolismo, Lima Barreto teve reconhecimento posterior.

É justamente as dificuldades na vida dos negros pobres no Brasil e seu desprezo pelos pretensos intelectuais os temas de seus primeiro romance publicado.

A primeira obra de Lima Barreto é um romance autobiográfico. A narrativa é dividida em duas partes. A primeira contendo a infância e a adolescência do personagem-narrador, Isaías Caminha, e a segunda quando finalmente consegue emprego num jornal do Rio de Janeiro, o fictício O Globo.

Na primeira parte do livro, o autor apresenta uma crítica social da situação do negro pobre na sociedade. Tal crítica, no entanto, não é uma narração artificial de acontecimentos. Com muita destreza, o autor conduz o personagem-narrador a junto com o leitor ir se dando conta de sua posição social. Não a partir de ideias pré-concebidas da situação do negro marginalizado. O grande valor da crítica está em que Lima Barreto dá a impressão para o leitor que tais situações não foram criadas para provar uma tese. São os próprios fatos, fluindo um atrás do outro, narrados como acontecimentos quase naturais, que fazem o personagem e o próprio leitor compreenderem a real situação do negro naquela sociedade. O leitor toma consciência daquela situação social ao mesmo tempo que o personagem-narrador.

Nesse sentido, Lima Barreto é um anti-identitário. Não há idealismo em sua denúncia social do negro. Há, para ele, os fatos. Não qualquer fato artificialmente montado para provar uma tese. São acontecimentos que poderiam e são vividos pela maior parte da população brasileira no cotidiano. Essa apresentação do cotidiano basta para a denúncia social de Lima Barreto. Desde o episódio onde o jovem personagem é mal atendido numa lanchonete, onde o atendente dá preferência aos clientes brancos, até a prisão sem nenhuma motivo na cidade do Rio de Janeiro, Barreto traz a nu a condição social dos negros e mulatos pobres no País. Coisa que espanta pela atualidade.

Na segunda parte do romance, o personagem-narrador consegue um emprego no jornal O Globo, que segundo Monteiro Lobato era o nome fictício do importante Correio da Manhã. Lobato, aliás, outro grande escritor da época, foi um dos poucos que reconheceram a qualidade de Lima Barreto como romancista.

De forma muito contundente, Lima Barreto desmascara a superficialidade dos pretensos intelectuais, apresentando os jornalistas como grandes burocratas sem nenhum gosto e conhecimento pela literatura. O romance descreve a redação do jornal como um covil de empregados puxa-sacos, superficiais e ignorantes. Sua crítica ao funcionamento dos jornais burgueses, a manipulação da sociedade por essa imprensa e a burocracia dos meios intelectuais também são de uma enorme atualidade. O romance acabou tornando Lima Barreto persona non grata no Correio da Manhã e em outros jornais.

Esse desprezo pela superficialidade dos intelectuais é mostrado pelo autor na apresentação do romance, o personagem Isaías Caminha afirma que:

“Perdoem-me os leitores a pobreza da minha narração. Não sou propriamente um literato, não me inscrevi nos registros da livraria Garnier, do Rio, nunca vesti casaca e os grandes jornais da Capital ainda não me aclamaram como tal — o que de sobra, me parece, são motivos bastante sérios, para desculparem a minha falta de estilo e capacidade literária.”

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Editado por Chapolin Gremista
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Chapolin Gremista

 

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A VANGUARDA RUSSA

O texto surreal de “A Velha”, de Daniil Kharms

Uma critica ao regime stalinista 

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Como primeiras impressões de leitura de A Velha, de Daniil Kharms, é percebida a semelhança do autor com outros escritores da prosa fantástica russa, como Nicolau Gógol. A sua interessante forma de estruturar uma novela em primeira pessoa, que começa com a visão de um relógio sem ponteiros e uma velha que olha as horas nessa mesma peça surreal. A velha, também surreal, que, após alguns acontecimentos, vai aparecer morta no quarto do personagem principal. 

A velha morta, escondida em uma mala, após o narrador acordar de um porre de vodca, é levada pelos trens de Leningrado para lugar algum. A mala de roupas brancas, escondendo o segredo do homem que mora na Rússia soviética stalinista, vai sumir como apareceu: sem deixar vestígios. Em determinado momento, o narrador deixa a mala para ir ao banheiro no trem e, quando volta, a mala já não está lá. No fim do livro, ele observa a cidade e a natureza, e segue a vida como se nada tivesse acontecido.

Essa atmosfera de sonho, a qual Daniel Kharms utiliza para criticar as relações políticas na Rússia stalinista, só é quebrada com a breve narrativa da morte de Sakerdon Mikhailovitch, também uma referência à morte do amigo do autor, Nikolai Oléinikov, perseguido e fuzilado por Stálin. Esse também é o único momento em que a narrativa migra para a terceira pessoa. 

O amigo do narrador é apresentado pelo autor após o encontro do narrador com uma moça que lhe paga pão na fila enorme necessária para conseguir o alimento. Ele se apaixona pela garota, mas ela some, e ele vai embora tomar vodca na casa do amigo e se vangloriar por ter ganhado o pão da garota. 

É interessante comentar sobre a influência da própria vida de Kharms para o fluxo do texto. Esse tipo de escrita é parte da escola criada pelo grupo de artistas OBERIU (Associação para uma Arte Real), considerada a última vanguarda russa. Esse grupo é crítico ao stalinismo e, por isso, perseguido pelo regime soviético, o que vai ocasionar seu fechamento. 

Após o fim do OBERIU, Kharms vai se dedicar à escrita de poemas infantis e textos de comédia. Sua literatura, como ele próprio, vai ser considerada degenerada pelo regime. Kharms vai acabar seus dias internado em um sanatório para loucos e morrer um ano após sua internação, em 1942.

https://causaoperaria.org.br/2023/o-texto-surreal-de-a-velha-de-daniil-kharms-2/

 

 

 

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Chapolin Gremista
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ESTADOS UNIDOS E CENSURA

Censura a livros nos Estados Unidos ganha força

Grandes obras infantis estão sendo banidas nos EUA há anos

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Nos Estados Unidos, vários títulos estão sendo banidos de escolas e bibliotecas públicas por motivos políticos ou ideológicos. Está prática vem acontecendo há décadas, porém nos últimos anos esse movimento tem ganhado força.

Como exemplo do deputado republicano Matt Krause, do Texas, que fez uma requisição às escolas questionando se tinham alguma obra de uma lista de 850 que ele considerava capazes de “fazer os estudantes se sentirem desconfortáveis, culpados ou angustiados em razão de sua cor ou sexo”.

As proibições ocorreram em 32 Estados americanos, afetando quatro milhões de crianças e jovens. De acordo com uma pesquisa da Associação Bibliotecária Americana (American Library Association, ALA), o número de livros censurados nos Estados Unidos atingiu a maior alta em 140 anos:  2.571 títulos foram vítimas de algum tipo de censura até 2022.

Entre os livros censurados incluem “Gênero Queer: Memórias”, de Maia Kobabe; “Nem Todos os Meninos são Azuis”, de George M. Johnson; “O Olho Mais Azul”, de Toni Morrison; “Lawn Boy” (“Menino jardineiro”), de Jonathan Evison; “O Sol é Para Todos”, de Harper Lee; e “Ratos e Homens”, de John Steinbeck.

De acordo com a presidente da ALA, Lessa Kanani’opua Pelayo-Lozada, “Em última análise, as tentativas de proibir livros são iniciativas para silenciar escritores que tiveram a imensa coragem de contar suas histórias”.

Ela prossegue: “Os americanos gostam da liberdade de expressão e de se envolver na expressão dos demais. Nós escolhemos os livros e as ideias com as quais queremos nos envolver, mas não podemos decidir o que os nossos vizinhos podem ler e pensar. Nós não podemos silenciar histórias de que não gostamos.”

Para a ALA, o objetivo da minoria de acabar com os livros infantis sobre temas importantes para crianças e jovens é “suprimir as vozes daqueles tradicionalmente excluídos do debate de nossa nação.”

Além disso, muitos autores e ilustradores de livros proibidos se manifestaram contra a censura.  Eles afirmam que seu trabalho visa educar, informar e inspirar as crianças, não as doutrinar ou corrompê-las, e proteger o direito das crianças de ter acesso a ideias importantes, diferentes pontos e experiências, bem como desenvolver seu próprio pensamento crítico.

https://causaoperaria.org.br/2023/censura-a-livros-nos-estados-unidos-ganha-forca/

 

 

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Chapolin Gremista
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RESENHA

O Guarani, de José de Alencar

Quando José de Alencar publicou em folhetins o seu romance “O Guarani” no ano de 1857, ainda era um jovem advogado e escritor, apenas iniciando sua carreira literária

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Quando José de Alencar publicou em folhetins o seu romance “O Guarani” no ano de 1857, ainda era um jovem advogado e escritor, apenas iniciando sua carreira literária.

Seus dois primeiros livros foram “Cinco Minutos” (1856) e “Viuvinha” (1857), chamados pelo próprio escritor de forma pejorativa de “romancinhos”: se situam ao lado de outros livros como “Lucíola”, “Diva” e “Senhora”, num conjunto de obras que podem ser classificados como os “romances urbanos” do escritor cearense.

O início da literatura romântica indigenista, que promovia uma inédita conexão entre literatura e nacionalismo em território brasileiro, dar-se-ia com a publicação de “O Guarani”, que seria seguido depois por “Iracema” e “Ubirajara”. Trata-se de obras que pioneiramente apontam a centralidade da figura do indígena como elemento balizador da constituição do povo brasileiro.

Transcorreram pouco mais de 30 anos entre a independência política do Brasil em relação à Portugal e o início daquilo que ficou conhecido como a primeira fase do nosso romantismo. A recente proclamação da independência de 1822 ensejava uma resposta à pergunta: afinal, quem somos nós brasileiros? A forte presença do índio naquele movimento literário vinha como forma de resposta a essa pergunta.

SOBRE O AUTOR

Quando José Martiniano de Alencar nasceu, em 1 de maio de 1829, havia apenas oito anos desde a independência do Brasil. O autor passou durante a infância pelo período tumultuado das Regências e participou, já adulto, ativamente dos debates políticos e literários do II Império.

Nosso escritor foi filho de um padre, deputado provincial do Ceará pelo partido liberal, governador e posteriormente Senador daquele mesmo estado, cujo nome era o mesmo do seu filho: José Martiniano Alencar. Ambos transitaram pela política: no caso de José de Alencar filho, tratou-se de uma carreira que lhe trouxe menos recompensa do que a sua atividade literária.

José de Alencar (filho) foi Ministro da Justiça durante o II Reinado, a despeito de manter uma postura crítica em relação a D. Pedro II. Em certo momento foi preterido pelo imperador para uma vaga ao Senado, por conta de pretéritos embates entre ambos, o que causou ao romancista uma intensa desilusão.

Houve inclusive polêmica literária travada na imprensa carioca entre o autor d’o Guarani e o Imperador sobre o significado da obra de Gonçalves de Magalhães. D. Pedro II defendia o autor de “A Confederação dos tamoios”, enquanto Alencar critica duramente a qualidade da obra de Magalhães: “as virgens índias do seu livro podem sair dele e figurar em um romance árabe, chinês ou europeu (…) o senhor Magalhães não só mão conseguiu pintar a nossa terra, como não soube aproveitar todas as belezas que lhe ofereciam os costumes e tradições indígenas”.

Curiosamente, José de Alencar posteriormente seria alvo de críticas semelhantes. Ficou conhecida na história a intensa campanha promovida pelo jornalista e romancista João Franklin da Silveira Távora contra a literatura de seu colega cearense, a quem criticava por fazer uma literatura social “de gabinete” sem o conhecimento da realidade social e do sertão, descrita não só nas obras indigenistas, mas naqueles seus “romances sertanejos” como “O Gaúcho” e “O Sertanejo”.

É certo que o registro de José de Alencar do Sertão e da situação do índio brasileiro é muito mais baseado em sua imaginação como escritor do que como historiador. Neste sentido, Távora estava correto ao dizer que os seus personagens foram formulados “dentro de um gabinete” e não mediante o contato direto com aquelas realidades.

Por outro lado, deve-se salientar que o trabalho literário de Alencar decorreu de muito estudo disciplinado: o seu “O Guarani” aborda aspectos da flora, fauna e tradições culturais do indígena brasileiro do início do século XVI baseando-se na leitura de historiadores e fontes históricas primárias. Suas fontes para descrição do cenário da história envolvem o botânico e pesquisador francês Auguste de Saint-Hilaire (1779/1853), Aires de Casal (1754/1821) e principalmente o livro “Tratado Descritivo do Brasil” (1587) de Gabriel Soares de Souza (1540/1591).

O GUARANI

A história se passa no ano de 1604 no interior da capitania do Rio de Janeiro, então governada por Mem de Sá, cuja maior realização fora a expulsão dos franceses do território da colônia portuguesa.

O fidalgo português D. Antônio de Mariz tomou parte nos combates pela defesa do território português. Contudo, no contexto da união ibérica em que Portugal ficou oficialmente sob o comando da coroa espanhola, Mariz, mantendo uma linha de fidelidade ao rei português, resolve-se asilar-se às margens do rio paraíba, no interior da província. É neste pequeno vilarejo que se passa a história.

“A derrota de Acácer-Quibir, e o domínio espanhol que se lhe seguiu, vieram modificar a vida de D. Antônio de Mariz.

Português de antiga têmpera, fidalgo leal, entendia que estava preso ao rei de Portugal pelo juramento de nobreza e que só a ele devia preito e menagem. Quando pois em 1592 foi aclamado no Brasil D. Felipe II como sucessor da monarquia portuguesa, o velho fidalgo embainhou a espada e retirou-se do serviço”

D. Antônio preferia viver retirado com a sua família no mais longínquo sertão brasileiro, onde comandava um grupo de pessoas e ao redor de quem vivia sua família numa fazenda fortificada. Às margens do rio Paquequer, Mariz montou casa para sua mulher, sua filha Cecília, uma filha bastarda chamada Isabel, o escudeiro Aires Gomes e um fidalgo português chamado Álvaro de Sá.

Viviam como que numa república fortificada ante o risco constante de ataques de índios ou bandoleiros. Por essa razão, o fidalgo também mantinha “como todos os capitães de descobertas daqueles tempos coloniais, uma banda de aventureiros que lhe serviam as suas explorações e correrias pelo interior: eram homens ousados, destemidos, reunindo ao mesmo tempo aos recursos do homem civilizado a astúcia e agilidade do índio de quem haviam aprendido; eram uma espécie de guerrilheiros, solados e selvagens ao mesmo tempo.”.

A família também era acompanhada por Peri, o mais valente guerreiro Goitacá, que salvara a vida da filha de D. Antônio e por isso é acolhido pela família do fidalgo.

Peri é uma palavra guarani que significa junco silvestre. O índio mantém uma dedicação semelhante ao fervor religioso em relação à Cecília. Na verdade, a bela filha do fidalgo português é amada de formas diferentes por três personagens da história.

O índio Peri mantém uma devoção relacionada a uma percepção de que Cecília era uma espécie de ente divino, a quem lhe incumbia responder a todos os seus desejos sem entrar um só pensamento de egoísmo. Amava Cecília não para sentir um prazer ou ter uma satisfação, mas para dedicar-se inteiramente a ela, para cumprir o menor dos seus desejos, para evitar que a moça tivesse um pensamento que não fosse imediatamente uma realidade.

Já Álvaro ama Cecília da forma como amavam os românticos descritos nas histórias de cavalaria medieval. Em se tratando de um cavalheiro português, o seu sentimento era uma feição nobre e pura, ensejando momentos de timidez ou arroubos em que o português buscava timidamente confessar o seu amor à filha de D. Antônio.

Enquanto Peri adorava e Álvaro amava, o italiano Loredano a desejava: em se tratando de um romance nacionalista, o estrangeiro aparece na história como o seu principal vilão.

Loredano fora um padre beneditino que viera em missão religiosa ao Brasil: oportunamente abandonou e conjurou a religião para dar vazão a sua luxúria. Sonhava encontrar o ouro no Brasil, enriquecer e oportunamente raptar a filha do português.

Dentro desta trama, ocorre um incidente que dará curso aos principais eventos da história.

Um filho de D. Antônio acerta um tiro por engano numa índia aimoré, tribo conhecida particularmente por seu estágio bárbaro, menos civilizado que os demais índios. O espírito de vingança é um dos traços psicológicos determinantes daqueles povos indígenas, o que fora agravado pelo fato de a índia morta ter sido a mais bela e desejada mulher daquela tribo.

A vingança dos aimorés se dá através de uma guerra sem tréguas e com fins trágicos. Da guerra apenas sobrevivem Peri e Cecília. Ao final, a menina reconhece e vê o índio como um irmão, ou seja, alguém igual em termos civilizacionais, nitidamente se considerando que o índio já fora batizado por D. Antônio antes da batalha final contra os aimorés.

Peri é o herói da epopeia “O Guarani”. A sua dedicação, coragem e abnegação são certamente formas de valorização não só da figura do índio, mas de alguém que está se constituindo como brasileiro. Há no índio (ou brasileiro) uma delicadeza de sentimentos dentro de uma alma inculta. Uma inteligência sem cultura mas brilhante como o sol. A alma é virgem de civilização, mas naturalmente brilhante, forte, corajosa, ou seja, representativa da aspiração de um Brasil igualmente altivo e independente.

 

https://causaoperaria.org.br/2023/o-guarani-de-jose-de-alencar/

 

 

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Em recuperação judicial, a Livraria Saraiva fechou hoje sete de suas lojas.

Todas localizadas em shopings centers de São Paulo (duas unidades), Rio de Janeiro, Goiás, Espírito Santo, Pará e Minas Gerais.

Agora, a rede, que em 2018, possuía 85 filiais, conta com 20 lojas.

Fonte : https://oglobo.globo.com/blogs/lauro-jardim/post/2023/07/saraiva-fecha-7-livrarias-num-so-dia.ghtml

 

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Chapolin Gremista
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INSTITUIÇÃO ANTIDEMOCRÁTICA

STF lança livro expondo suas arbitrariedades

Ao contrário de ser o guardião da Constituição, como prevê a própria Carta Magna, o STF vive rasgando a mesma, como mostra recente publicação

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No dia 21 de junho de 2023, o Supremo Tribunal Federal anunciou o lançamento de uma série de publicações compilando os principais julgados da corte entre os anos de 2007 e 2022, abrangendo ações de controle de constitucionalidade (ADI, ADC e ADPF), processos submetidos à sistemática da repercussão geral (Recursos Extraordinários) e outros considerados relevantes por sua repercussão jurídica, econômica, política e social.

A série, intitulada “Supremo Contemporâneo”, já estreio sua primeira edição, cuja seleção de casos é voltada à temática da liberdade de expressão. É interessante notar o cinismo do Supremo Tribunal Federal. A corte, que vem notoriamente atropelando a liberdade de expressão nos últimos anos, aproveitou para lançar essa primeira edição “no mês em que se comemora, internacionalmente, a liberdade de imprensa” (citação retirada do próprio sítio do STF).

A publicação, supostamente, serviria para demonstrar a defesa da Constituição Federal pela Suprema Corte. Contudo, serve apenas para comprovar natureza antidemocrática do Poder Judiciário Brasileiro, em especial a sua corte suprema.

Afinal, estamos diante de uma publicação destinada à compilação da jurisprudência do STF. E o que significa jurisprudência? É, basicamente, a sistematização do conjunto de decisões reiteradas do tribunal, que representam seu entendimento sobre determinado assunto.

Para que os ministros dos Supremo decidam sobre determinada matéria, no sentido de forma sua jurisprudência, é preciso apreciar os processos que chegam ao tribunal.

Regra geral, os processos chegam ao STF de duas formas: através de casos concretos, ou seja, pedidos feitos por pessoas em conflitos de interesses, que devem antes ser decidos por juízes comuns, os carrascos que todos conhecem. E através da análise de casos abstratos, em que é feita a avaliação se uma lei está de acordo com a constituição ou preceitos fundamentais. Estes são avaliados diretamente pela corte.

Em qualquer dos casos, o Supremo possui uma atuação antidemocrática.

O sítio do STF menciona que sua publicação abrange processos submetidos à repercussão geral. Esses são os decorrentes de casos concretos. O que ocorre é que, em casos de conflitos de interesses entre duas partes, juízes e tribunais acabam por decidir em favor de uma parte e contra outra. Quando é dada a decisão, a parte que saiu vencida, a depender do caso, poderá recorrer ao Supremo Tribunal Federal, através de um Recurso Extraordinário, para que seu caso seja examinado. Se esse recurso for submetido à sistemática de repercussão geral, ou seja, for reconhecida que a questão possui relevância jurídica, econômica, política e/ou social, sua decisão valerá para todos os juízes; do Brasil inteiro.

Em suma, quando o STF examina casos concretos, ele age de forma democrática pois, ou valida a interpretação que juízes isolados (ou tribunais) têm sobre as leis, fazendo-as valer para o país inteiro. Ou, ao rejeitar as interpretações desses juízes ou tribunais, os próprios ministros do STF criam sua própria interpretação sobre a lei aplicável ao caso concreto. Algo igualmente antidemocrático. No fim das contas, são burocratas que não foram eleitos, interpretando as leis e a Constituição da maneira que bem entendem.

Quando Supremo examina os casos abstratos, basicamente se pede que ele verifique se uma lei está de acordo com a Constituição Federal, ou com algum preceito fundamental previsto na CF/88. Na prática, o STF acaba simplesmente por dar à Constituição uma interpretação que seja conveniente à política da burguesia.

Para pegar o gancho nesta nova publicação, em que foi compilado julgados concernentes à liberdade de expressão, o Supremo vem recentemente interpretando que esse direito fundamental não é absoluto, devendo ser restringido em inúmeras circunstâncias. Nesse sentido, o julgado mais recente do STF sobre o tema diz que “a liberdade de expressão não pode ser usada para a prática de atividades ilícitas ou discursos de ódio, contra a democracia ou contra as instituições”. Enquanto isto, a Constituição Federal, em seu art. 5º, IV, dita que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Ou seja, o tribunal, que deveria ser o guardião da Constituição, é responsável por rasgá-la, sob a máscara da interpretação.

E a nova publicação do STF nada mais é do que uma documentação de vários anos do tribunal rasgando a Constituição.

É, igualmente, uma amostra de que, há anos, o Poder Judiciário brasileiro vem se afastando do direito positivo e se aproximando do direito consuetudinário. Em outras palavras, a base do sistema jurídico brasileiro vem deixando de ser a Constituição, as leis, as normas escritas em geral, elaboradas pelo parlamento, ou seja, por representantes eleitos pelo povo (por mais viciada que possam ser as eleições). Ao invés disto, o direito brasileiro caminha a passos largos para se tornar algo semelhante ao direito anglo-americano, em que o que vale são os costumes e os precedentes. Em suma, um sistema jurídico que facilita a consolidação de um regime político de completa arbitrariedade contra a população, afinal, o que vale é o que brota da mente do juiz.

É verdade que, em alguns casos, o STF tomou decisões fazendo valer a Constituição, por exemplo, ao decidir que a Marcha da Maconha não constitui crime de apologia, mas está dentro da liberdade de manifestação. Contudo, isto só serve para demonstrar o quão profunda e arbitrariedade são as atuais decisões do Supremo ao impedir as pessoas de questionarem a legitimidade das instituições estatais, do próprio STF, do TSE, e a confiabilidade das urnas eletrônicas e das eleições brasileiras.

Ademais disto, mesmo que certas decisões do Supremo possam ter um caráter “progressista”, sua existência deve ser combatida, por trata-se de uma enorme quantidade de poder acumulada nas mãos de burocratas que não foram eleitos pelo povo.

Ao final, se o STF realmente fosse o guardião da Constituição, essa publicação deveria constar decisões em que se julgou ser permitido questionar as eleições, as urnas e, até mesmo, pedir a dissolução da Suprema Corte. Contudo, não há nada disso nessa porcaria de livro, pois tais decisões nunca foram proferidas e, provavelmente, nunca o serão.

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LITERATURA BRASILEIRA

A poesia de Eduardo Lacerda

A poesia sentimental continua em alta

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Na crítica literária, frequentemente, debate-se o valor da poesia cerebral em contraste com a poesia sentimental; entretanto, se considerarmos a arte somente entre o cérebro e o coração, talvez seja difícil definir poemas tais quais “Dos males o menor”, de Leila Míccolis:

“Se eu te chamo de putinha / sou machista e indecorosa! / No entanto, se não chamo, / você não goza…”

Ainda em função do corpo humano, “Dos males o menor” não seria poema cerebral nem cardíaco… desse ponto de vista, ele seria genital. Valer-se do corpo humano para tratar de literatura não é novidade, sendo o cérebro, o coração e os genitais os domínios, respectivamente, das poesias experimental, sentimental e erótica.

Sem querer limitar a literatura a tais comparações com o corpo humano, nela há, pelo menos, a vantagem de apresentar a poesia em três regimes distintos de realização, garantindo à arte não ser sancionada por apenas um único parâmetro; em outras palavras, cada parte do corpo oferece modos próprios de se fazer poesia, embora eles possam ser combinados na composição do poema. Dessa maneira, conquanto eu prefira as poesias do cérebro e dos genitais, é impossível não gostar de poesia sentimental; quando afirmo isso, penso em Federico Garcia Lorca, lembrando-me de poemas como “Manancial”, do “Livro de poemas”, de 1921.

Falando em poesia sentimental, eu recomendaria ler “Outro dia de folia”, do Eduardo Lacerda, lançado em 2012 pela editora Patuá. Conheci o Eduardo quando ele fazia os cursos de português e linguística na FFLCH-USP; na época, ele já militava pela poesia na direção da revista “Metamorfose” e do jornal “O casulo”; atualmente, ele é editor da Patuá, uma das raras editoras dedicadas à publicação de literatura brasileira contemporânea.

Em geral, começar pelas capas não é procedimento recomendável para ler poesia porque, nas mãos das editoras comerciais, os autores perdem o controle dos próprios livros; entretanto, no caso da Patuá, isso pode ser diferente, pois, certamente, houve alguma comunicação entre o Lacerda e o Leonardo Mathias, responsável pela capa e pelas ilustrações. Desse modo, em “Outro dia de folia”, Mathias foi sensível aos poemas e conseguiu captar, no desenho feito para a capa, a imagem de poeta que Eduardo, mediante os poemas, parece afirmar.

Nas leituras de “Outro dia de folia”, encontrei o escritor tematizando, nos 31 poemas de “Festim”, a primeira parte do livro, a contradição festa vs. castigo, enquanto na capa do livro, reproduzida no final da coluna, tal contradição se explícita: no título, sobre o desenho, afirma-se a festa na frase título “outro dia de folia”; no desenho, sob a legenda, um menino com chapéu de cone amarga o castigo, sentado em silêncio diante das paredes.

No segundo poema da primeira parte, também chamado “Festim”, expressa-se o tema festa vs. castigo:

“Jogou copos contra / Paredes. // Mudou de letra, com / caligrafia e sessões / terapêuticas, dando- / se firmeza às mãos. // Rabiscou espelhos / não sendo ele / sua própria // letra. // Lençóis amassados e / marcas de unhas / nas costas. // Cheiro de cigarros, / bebida, suor / e incenso. // – os poucos amigos, / dispersos, // juravam que vivia / em festa. –”

Em linhas gerais, o poema se desenvolve entre festas e castigos: (1) na primeira estrofe, manifesta-se a revolta quando copos são jogados contra a parede; (2) da segunda à quarta estrofe, processos de adaptação social alienam o poeta da própria voz, afirmando-se o castigo nas sessões de caligrafia, terapia, quebras do espelho; (3) na quinta e sexta estrofes, surgem os dias de folia, a resistência via a presença do corpo e a alteração dos estados consciência; (4) na sétima estrofe, a contradição festa vs. castigo se manifesta no fato de haverem amigos, mas eles são poucos e dispersos; (5) na última estrofe, “juravam que vivia em festa”, explicita-se a ironia do poeta parecer festejar, todavia, talvez não seja bem assim…

Na poesia do Lacerda, como essa contradição se resolve? Em seus poemas, além da recorrência ao tema, o escritor remete, constantemente, a uma identificação bastante cara ao poetas sentimentais: escrever é viver / viver é escrever. Para mostrar isso, escolhi o poema “Essa viagem”, dedicado a Elisa Andrade Buzzo:

“É certo, Elisa, / estamos todos / à deriva. Nessa / página (barco / branco): Vida. / (Vida que chamamos livros) // Mais ainda, e / mesmo que / naufragados: / – minha amiga, / a dor nos estiva. / (Dor que chamamos escrita) // Fio que, fio a / fio, a fina linha / da trama nos / livra, e labirinta: / margem infinita. / (Margens abertas nas mãos) // Sigo, e me siga / em rota marinha, / e nessa medida: / ler de litro a / letra líquida. / (O olho que lê, ele lagrima) // Finda o canto / da musa / antiga. // (bússola / feita de verso) // No fundo de / nossa / retina. // Doer ainda é um / que navega // e caminha // sozinho. // Que nos escreve, / E nos cita.”

Nos versos do poema, viver é estar, mesmo à deriva, nas páginas dos livros… ao que tudo indica, vive-se apenas literariamente. Se isso procede, na poesia do Lacerda, na tensão entre os mundos possíveis e suas poéticas, aparece, no lugar do enunciador poeta, o enunciador poema, “Que nos escreve, / E nos cita”; ao nos tornamos tema da poesia, estaríamos salvos – em festa –, mesmo que solitários – ainda de castigo –. Eis o poema “Reflexos”, dedicado a Vlado Lima, no qual Lacerda e seus amigos, citados e escritos nos versos, estariam a salvo:

“Eu e / meus amigos, // tão sozinhos / que derramaremos / (aos litros) // álcool // aos // santos // e // espíritos. // Tão sozinhos que nos indagaremos: // – Eles também nos verão em dobro?”

Em sua utopia literária, Eduardo Lacerda não investe em quaisquer banalizações poéticas enquanto forma de salvação; o poema “Cantiga”, dedicado ao Reynaldo Damázio, é um sinal de alerta:

“Tenho ido / um mínimo possível / pelo rastro / de fogos de artifício. // Meus ouvidos / são só recusa ao / som de hinos. // (Não peço esmola, / ouço o que nos sobra / : ruído e disparo) // Tenho ido / pelo mesmo caminho / contínuo. // E, antes que eu chegue, cheguem / sempre à minha frente, sem festa / (e aos gritos), fogos de artifício.”

Por fim, quero manifestar minha admiração pelo Eduardo Lacerda e por seus trabalhos a favor da literatura brasileira na direção da editora Patuá, em meio à deplorável prática das editoras capitalistas, preocupadas antes com os lucros que com a literatura e a cultura nacionais.  Eduardo-Lacerda-2-600x893.jpg

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Chapolin Gremista
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ROMANCE REGIONAL

A literatura de José Lins do Rego

A região canavieira da Paraíba e Pernambuco em período de transição do engenho para a usina encontrou no “ciclo da cana de açúcar” de José Lins do Rego a sua mais alta expressão

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Descendente de senhores de engenho, o romancista soube fundir numa linguagem de forte e poética oralidade as recordações da infância e da adolescência com o registro intenso da vida nordestina colhida por dentro, através dos processos mentais de homens e mulheres que representam a gama étnica e social da região”. (BOSI, Alfredo. “História Concisa da Literatura Brasileira”. Ed. Cultrix).

José Lins do Rego Cavalcanti (1901/1957) nasceu no Engenho Corredor numa cidade do interior da Paraíba chamada Pilar.

Fez os estudos secundários em Itabaiana e na Paraíba (atual João Pessoa).

Aos quatorze anos, muda-se para o Recife, concluindo o secundário no Ginásio Pernambucano, prestigioso colégio nordestino, por onde passaram Ariano Suassuna e Clarice Lispector.

Na sequência, em 1919, matricula-se na Faculdade de Direito do Recife, onde conhece e se relaciona com o escritor José Américo de Almeida, um pioneiro daquilo que ficou conhecido como a literatura modernista regionalista, da qual fizeram parte Graciliano Ramos, Jorge Amado e Rachel de Queiroz.

Durante a Faculdade de Direito, o nosso escritor conhece Gilberto Freire, de quem receberia o estímulo para se dedicar à arte voltada para as raízes locais. Não seria exagero dizer, nesse sentido, que os romances de José Lins do Rego fossem uma expressão literária daquela civilização do açúcar tão bem descrita por Freire no seu “Casa Grande e Senzala.” (1933).

Também não seria incorreto dizer que José Lins do Rego tenha sido ao mesmo tempo um romancista e um memorialista. A leitura dos livros que compõe o seu “Ciclo da Cana de Açúcar” retrata diretamente experiências da vida do escritor.

Desde a sua infância no Engenho de Açúcar do Avô, situado no interior da Paraíba; na sua adolescência quando é matriculado num colégio de freiras longe dos domínios da Fazenda Santa Rosa; e o seu retorno, já formado em Direito, à casa do avô. Cada um desses períodos da vida de José Lins do Rego são retratados pela literatura memorialista através do personagem Carlos.

A partir de sua infância em “Menino de Engenho” (1932); passando pela adolescência com “Doidinho” (1933); e a chegada da vida adulta através de “Banguê” (1934).

Daí a importância particular de se conhecer a trajetória da vida de José Lins do Rego, que é indicativa de boa parte das suas obras. São histórias que retratam o período de decadência econômica e civilizatória dos senhores de engenho, cujos domínios são paulatinamente degradados em função do desenvolvimento produtivo instaurado pelas Usinas.

Antigos potentados e grandes senhores de engenho se vêm reduzidos à pobreza por dívidas contraídas junto aos usineiros, cujas fábricas têm uma produtividade incomparável com as antigas técnicas de produção de açúcar herdadas do período colonial.

Os usineiros se organizam em sociedades empresariais, emprestam dinheiro aos proprietários de terra com juros usurários e endividam até as famílias mais ricas, que se vêm compelida a entregar as suas terras aos seus credores. A concentração ainda maior de terras é reflexo daquela mudança de horizontes. É justamente este momento em que a grandeza dos engenhos de açúcar já pertencia irremediavelmente ao passado que é objeto de descrição dos livros de Lins do Rego.

Efetivamente, o escritor presenciou em vida um mundo prestes a desabar: e a decadência da tradicional civilização do açúcar, cujas origens remetem aos primórdios do período colonial, é incorporada à visão de mundo do escritor e do personagem que o representa nos romances. Depois de quase três séculos de predomínio econômico no Brasil, a economia do açúcar decai de forma vertiginosa já em meados do século XIX, sendo substituído pelo café produzido no vale do Paraíba e no interior de São Paulo.

A decadência é algo que também aparece nitidamente em algumas histórias de Graciliano Ramos, escritor que mantinha vínculo de amizade com Lins do Rego. Há um evidente paralelo entre o velho senhor de engenho José Paulino do engenho de Santa Rosa (Lins do Rego) e Paulo Honório de São Bernardo (Ramos): o primeiro retratado por Lins do Rego de forma mais lírica e poética e o segundo retratado por Graciliano Ramos de forma mais árida e distante (não necessariamente marcada pela memória afetiva, como no caso do autor de “Fogo Morto”).

BANGUÊ

“O trem furava pelos canaviais de outros engenhos. Havia os engenhos vivos e os engenhos mortos. Lá estavam o Itapuã, de bueiro grande afrontando todas as usinas do mundo. Massangana, de senhor de engenho rico, Maraú, vivendo do algodão. O Bugari tinha cana até na bagaceira. Aquele se fora na voragem. O melão-de-são-caetano subia e desciam pelas encostas, sumiam-se várzea afora. Não se via um roçado de morador, uma vaca amarrada de corda, pastando. Para que moradores com roçados, criando gado? Queria gente para o campo e a terra toda só prestava para plantar cana. Acabara com os senhores de engenho, mas destruía também os pequenos que defendiam o algodão”

“Banguê” (1934) é a sequência da história de Carlos, quando retorna ao Engenho de seu avô José Paulino, após passar cinco anos estudando Direito no Recife.

Recém-formado, o protagonista retorna ao Santa Roa sem qualquer plano ou ideia do que fazer de sua vida.

Durante o curso de Direito no Recife, se relaciona com um mundo moderno quando comparado ao velho engenho de seu avô. Na faculdade, passa aos seus colegas uma imagem idealizada de sua origem familiar: seriam terras de fidalgos, com casas de potentados e famílias que se gabam dos seus brasões.

O retorno ao Santa Rosa desmente por completo aquela idealização. A rusticidade, a pobreza dos trabalhadores do eito, a corrupção dos agentes do fisco, a violência dos capatazes e feitores, além de toda uma cultura e estrutura social vinculada ao regime da escravidão (recentemente extinta) se confrontam com aquela noção idílica do mundo rural. Carlos idealiza o mundo do Pilar não só perante os outros mas através do engano a si mesmo.

O autoengano marca os primeiros momentos do livro, quando uma forte melancolia toma conta do bacharel de retorno ao Santa Rosa:

“Faltava qualquer coisa na minha vida. Um entusiasmo por qualquer coisa. Olhava sem querer ver. Tinha a impressão que os meus sentidos se atrofiavam. Os moleques que haviam sido os meus companheiros, Manual Severino, João de Joana, andavam iguais aos outros. Passavam por mim como estranhos.”.

O Santa Rosa ainda suspira pela força e potência do velho José Paulino que aos 86 anos ainda preside pessoalmente os trabalhos dos seus nove engenhos situados na fazenda. Contudo, a velhice e a proximidade da morte do latifundiário vão representando o fim daquela civilização do açúcar.

Se o velho é a principal peça da engrenagem produtiva do engenho, a sua velhice remete a uma roda velha do moinho, prestes a inutilizar a máquina e paralisar a produção.

Esperava-se que Carlos, retornando dos estudos, assumisse o controle e direção dos trabalhos da fazenda. José Paulino é a expressão do vigor na ação, da altivez, da serenidade, da potência, e da plena confiança no que faz. É o exato oposto de Carlos, um homem emotivo, com medo paranoico da morte, hesitante, que se acovarda até diante dos cabras e trabalhadores do eito, prenunciando o início do fim do Santa Rosa.

Com a morte do avô, o protagonista é de fato alçado à condição de novo Senhor de Engenho. Ainda que se dedique inteiramente à gestão da produção, não consegue prosperar, talvez por lhe faltar a energia e força típica daqueles que viveram a sua vida inteira na base do trabalho pesado.

Há evidente incompatibilidade entre a conduta do bacharel formado em Direito e a prática enérgica dos senhores de mando do campo. E quando há similitudes, elas se dão no que existe de pior: na exploração brutal dos trabalhadores mediante cobrança de foros extorsivos pelo uso da terra; ou nas práticas sexuais com as negras trabalhadores do eito, inclusive aquelas casadas com os cabras, sendo criadas uma geração de pequenos deserdados que iriam viver na fazenda sem qualquer distinção das outras crianças sujas, magras e amarelas de doenças.

Não que a chegada dos usineiros criasse melhores condições aos antigos trabalhadores dos engenhos. As Usinas funcionavam 24 horas por dia, trabalhava-se de dia e de noite como nos tempos da escravidão.

A chegada da usina, na verdade, é representativa de um estágio de superação capitalista do escravagismo de origem colonial. O engenho do Santa Rosa ao tempo da nossa história é uma figura de transição entre uma realidade semi-feudal e o novo modo de produção capitalista.

No tempo de José Paulino, trabalhava—se duro, havia castigos físicos, mas não se passava fome e os camponeses tinham a liberdade de usar a terra para produção de auto sustento. Com a chegada da usina, tem-se a contraditória impressão de uma degradação social que caminha passo a passo com o brutal incremento dos meios tecnológicos de produção do açúcar. Os trabalhadores perdem o direito à terra e viram, poderíamos dizer, proletários.

Um retrato de um mundo em extinção, tratado de forma lírica, telúrica e memorialista, é o que se pode resumir do quadro pintado por Lins do Rego no seu “ciclo da cana-de-açúcar”. 

https://causaoperaria.org.br/2023/a-literatura-de-jose-lins-do-rego/

 

 

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LITERATURA BRASILEIRA

A poesia de Amador Ribeiro Neto

Um poeta brasileiro entre o regionalismo e a vanguarda

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   Por volta de 2006, o poeta Frederico Barbosa me sugeriu ler “Barrocidade”, livro de poesias do Amador Ribeiro Neto, editado pela Landy, da coleção Alguidar, coordenada pelo próprio Frederico. Desde aqueles anos, sou amigo do Amador, quem, semelhantemente a mim, divide o tempo entre atividades acadêmicas e literatura, sendo professor do curso de Letras da Universidade Federal da Paraíba e coordenador do laboratório de estudos semióticos de lá

              Quando leio poesias, costumo procurar por procedimentos linguísticos e literários recorrentes, buscando pelos estilos de cada poeta; dessa maneira, eu consigo entender conforme cada um deles se vale da mesma língua para se expressar. Em “Barrocidade”, encontrei a preferência do poeta por alguns processos discursivos:

              (1) Amador gosta de fazer listas, vários poemas seus são coleções de palavras. Listas são campos semânticos, elas não se resumem a sequências de palavras e coisas, sendo, isso sim, conjuntos organizados para fazer sentido. O poema “vade-mecum” é uma lista, Amador explicita isso colocando as palavras em ordem alfabética; eis alguns fragmentos das 31 palavras da lista:

              “asco / arrenegado / (…) / coxo / cujo / (…) / não-sei-que-diga / pé-de-cabra / (…) / tisnado // como o diabo”

              (2) Amador forma compostos nominais; tal processo linguístico, comum ao sânscrito e às línguas germânicas, é um dos recursos preferidos pelo poeta para complexificar os significados lexicais. Eis dois exemplos nestes dois versos do poema “sampa revisitada”:

              “cidade / velha aflições desconhecidanciã / (…) / desembaçada no centro / toda in na paulistaugustaconsa”

              (3) Nos poemas, há constantes diálogos com o repertório da música popular brasileira; para ilustrar, eis uma estrofe de “arribação”, em que Amador dialoga com Adoniran Barbosa:

              “(…) / lagoa tapada atrás duns versos açuns dispersos grandes / movimentos adonirançando malocas saudades / ah aquele cruzamento da canção / pode”

              (4) Quando se refere a religiões, Amador prefere as afro-brasileiras, feito a Umbanda ou o Candomblé; o poema “pomba”, entre seus temas, também é invocação da Pomba-Gira, com ela substituindo o Espírito Santo cristão, revelando-se acima dele:

              “cães são sempre cães vadios / mães são sempre mulheres santas de nossos pais / espírito santo / quase sempre é pomba / sempre funciona pomba / gira”

              (5) Nos poemas, há diálogos constantes com o Modernismo brasileiro na vertente proposta por Oswald de Andrade; nos versos de “klaxon”, além da composição por sílabas sugerindo onomatopeias de buzinas no último verso, o título se refere à famosa revista modernista:

              “som tevê enrosca o mesmo som / imagem tevê engasga mesmo som // tom tevê engalha mesmo cedê rom / por estas & mais aquelas é que é de bom tom // com som can tem com tem tem são tam bém tom bem sem som”

              (6) Amador não se esquece da poesia social, bastante exercida no Brasil pelos poetas adversários da direita; eis o poema “falta água e falta”, com protestos tanto contra realidades hostis vividas no campo, feito secas, quanto contra injustiças sociais urbanas, vividas nas periferias:

              “falta água e falta / água tens e não tens / os surfistas de são miguel paulista quebram ondas / nos tetos dos trens”

              (7) Por fim, o poeta se vale de variações linguísticas; eis os versos finais de “tabuleiro”:

              “(…) / quer tomar / caju // ah é né / pois tome hôme // troncho / tome-tome & some & // adispoi / num vá dizê // ô / ie”

              Dessa maneira, diante de listas, compostos nominais e variantes linguísticas, vanguarda e regionalismo, diálogos com o Modernismo e a MPB, invocações pagãs e protestos contra o fascismo, o que esperar da poesia de Amador Ribeiro Neto? O poema “descobrimento” responde a essa questão:

              “guarda-roupa da história com h e neocapitais / fantasias teias telas cabos teles naves tels veias nets poeiras / sertão vip varandas antenadas na copa dos revistas in / morenos pretos brancos amarelos seixos / farolizando macaxeiras pra matar fome com farinha de mandioca / história música cidades crenças ourivesarias artesanatos contrabandos / oceanos sertões caviares ouropéis rapaduras campos descompassos / guarda-fantasias guarda-enredos guarda-estruturas guarda-sons / que são / frente às descobertas da poesia hein cabral”

              Além de expressar os processos discursivos determinados anteriormente, o poema mostra os modos de Amador inseri-los em sua proposta poética nacionalista; para desenvolver isso, porém, é preciso esclarecer a quais ideologias nacionais ele se alia. O nacionalismo é plurívoco; há poetas feito o Amador, com vistas para o futuro e buscando por outros territórios brasileiros, entre eles, territórios discursivos, feito aqueles que a língua portuguesa e seus discursos deveriam ocupar – por exemplo, os espaços das comunicações de massa –; há nacionalistas ingênuos, confusos, e, comumente, bastante reacionários, insistindo em identificar a cultura brasileira com estereótipos, em regra, tirados do folclore. Entre os primeiros, há quem internacionaliza o Brasil – Hermeto Pascoal, Airto Moreira e Nana Vasconcelos fizeram isso percutindo panelas e soprando berrantes –, entre os segundos, há quem apoie ditaduras e golpes de estado… o Amador, certamente, está do lado dos progressistas.

              Assim, com as listas do poeta e sua linguagem, predominantemente nominal, ocupa-se o mundo da comunicação, demarcando-se campos semânticos nos quais o Brasil ecoa por meio palavra, “frente às descobertas da poesia”. Vale a pena, para confirmar isso, verificar a conciliação entre valores mundiais e regionais em dois poemas exemplares das concepções do Amador: (1) “pulso”, com o Brasil se expandindo via mundos virtuais, entretanto, com a própria voz; (2) “pífaros de caruaru”, com a música regional brasileira ressoando na poesia de vanguarda, inaugurada com o Modernismo:

              pulso

              “o dormir o / excaféin // o microcomputador o / meu com tantinternet // a proesia lixa o / estrala foices // & / deleta a falsivivacidade sem-terra da razão // o brother o / mermãozinho do c****** tá fodaço pra c****** sô”

              pífaros de caruaru

              “um som i um som u / flauta apita no atabaque das consoantes / fica soando fino um u ínfimo último / sinal ambulância caixinha sirene antimusical // a menina de treze anos e vai evém / a bolsa d’água arrebenta marginal do tietê / enchente / congestionamento 84 quilômetros outdoor // o cordão ensanguentado estira-se / ao longo ao pleno ao vago ao cheio // um som i um som u apagando-se / ou gregório ou oswald ou cássia eller / chega / pagu”

              Gostaria, ainda, de enfatizar o homoerotismo, outro tema da poesia do Amador Ribeiro Neto. Em “namorados”, o sexo homoerótico participa da utopia gay em que todos são felizes, com o Dia dos Namorados se eternizando hedonisticamente – “amanhã vai ser outro dia 12” –; além disso, a comparação do falo com os edifícios – “paus em pé empire eucaliptos perigo pegar” – é bastante original.

              “arte pia válida cozinha walita / o nome corvo café feijão carne de sol arrumadinho & bolo de / senão por que maria cream fox freezer pano de chão postmodern platôs / onda waffers mornomorango / cobertura tom / ele toparará a piscina chantilly / disco rígido faz baby filme mambrana lembrança / margarina gasalina funciona-se / yes he does ele encara / chama o cara / chama o cara / ele quero ser ele vaco profana virginando madona santa stone / berrando sozinho fudidinho / lindos negros tintos o / lhos de mãe menininha do / gato que ele assanha / arranha apanha barganha / & / geme no sim sem sim com / telhada na tua pele vermelha / fogueirardor / em cima de evém evém evém / cu é o cazzo cu é o céu / cada vez mais pra além de tudo / & / a porra deite cheire faz suar / ô meu nossa que deuslícias / de / paus em pé empire eucaliptos perigo pegar / pra now dear / evém evém vindo vindo vindo / balança / amanhã / vai / ser / outro / dia / 12”

              Por fim, resta comentar, brevemente, a segunda parte de “Barrocidade”. O livro é dividido em duas partes, todos os poemas citados anteriormente pertencem à primeira parte; a divisão se dá pelo poema visual “sem sem sem com”, com os títulos dos poemas da segunda parte referindo-se a nomes de poetas, músicos, outros artistas, explicitando-se, por meio das homenagens, as influências do Amador Ribeiro Neto. Divulgar essa segunda parte, contudo, é tema para outras colunas.

 

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  • 1 mês depois...
NOTÍCIAS

A biografia ilustrada de Taylor Swift, a cantora que vem fazer show no Brasil, será uma das grandes apostas da Sextante na Bienal. 

Escrita por Wendy Loggia e ilustrada por Elisa Chavarri, o lançamento traz a história da cantora desde a infância, até se tornar vencedora de diversos Grammys com milhares de fãs pelo mundo.

Fonte : https://oglobo.globo.com/blogs/ancelmo-gois/post/2023/08/taylor-swift-na-bienal-do-livro-biografia-ilustrada-da-cantora-sera-lancada-pela-editora-sextante.ghtml

 

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