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A ideia básica do tópico é que sejam postadas reportagens, matérias, imagens, videos ou o que for com o objetivo de desvendar, desmistificar e ajudar na compreensão da realidade do mundo em que vivemos.

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IPEA desmonta farsa do jornal "O Globo" - 21/08/2010

O jornal ‘O Globo’ procurou a diretoria do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), nesta semana, para supostamente esclarecer irregularidades na conduta da instituição.

Trata-se de manobra pré eleitoral.

Sem a menor noção de como levar a disputa presidencial para um segundo turno, as Organizações Globo tentam o tapetão da calúnia contra qualquer área do governo. Se colar, colou.

O IPEA está entalado na garganta dos Marinho desde setembro de 2007, quando a diretoria comandada por Marcio Pochmann tomou posse. A partir daquela data, o Instituto aprofundou seu caráter público, realizou um grande concurso para a contratação de mais de uma centena de pesquisadores, editou dezenas livros e abriu seu raio de ação para vários setores da sociedade, em todas as regiões do país. O IPEA é hoje uma usina de idéias sobre as várias faces do desenvolvimento.

‘O Globo’ e a grande imprensa não perdoaram a ousadia. Deflagraram uma campanha orquestrada, acusando a nova gestão de perseguir pesquisadores e de estimular trabalhos favoráveis ao governo. Uma grossa mentira.

O Globo deve publicar a tal “matéria”, repleta de “denúncias” neste domingo. O questionário abaixo foi remetido para a diretoria do IPEA. Sabendo das previsíveis manobras do jornal da família Marinho, o instituto decidiu responder na íntegra às perguntas, diretamente em seu site. Se a “reportagem” do jornal quiser, acessa www.ipea.gov.br e pega lá as respostas. Aqui vão elas na íntegra para Carta Maior.

O Ipea responde à sociedade

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é uma fundação pública federal vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Há 46 anos, suas atividades de pesquisa fornecem suporte técnico e institucional às ações governamentais para a formulação e reformulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiros.

O Ipea tem como missão "Produzir, articular e disseminar conhecimento para aperfeiçoar as políticas públicas e contribuir para o planejamento do desenvolvimento brasileiro."

Dessa forma, o Instituto torna públicos à sociedade esclarecimentos decorrentes de questionamentos feitos pelo jornal O Globo entre 19 e 20 de agosto.

Este comunicado tem como objetivo preservar a reputação desta Instituição e de seus servidores e colaboradores, que por meio dos questionamentos do diário, estão sendo vítimas de ilações, inclusive de caráter pessoal.

Dado o teor desses questionamentos, o Instituto sente-se na obrigação de publicar perguntas e respostas, na íntegra e antecipadamente, para se resguardar.

E coloca-se à disposição para dirimir quaisquer dúvidas posteriores.

Assessoria de Imprensa e Comunicação

O GLOBO: Sobre o aumento de gastos com viagens/diárias/passagens na atual gestão: Segundo levantamento feito no Portal da Transparência do governo federal, os gastos com diárias subiram 339,7%, entre 2007 e 2009, chegando no ano passado a R$ 588,3 mil. Este ano já foram gastos mais R$ 419 mil com diárias, 71% do total de 2009. Os gastos com passagens subiram 272,6% entre 2007 e 2009, chegando no ano passado a R$ 1,2 milhão. Qual a justificativa para aumentos tão expressivos?

IPEA: A justificativa é o incremento das atividades do Ipea e de seus focos de análise, instituídos pelo planejamento estratégico iniciado em 2008, que estabeleceu sete eixos voltados para a construção de uma agenda de desenvolvimento para o país. Para atender a esses objetivos foram incorporados 117 novos servidores, mediante concurso público realizado em 2008. O Plano de Trabalho para o exercício de 2009 contemplou 444 metas – publicadas no Diário Oficial da União. O cumprimento dessas metas condicionou a participação dos servidores da casa em seminários , congressos, oficinas e treinamentos, bem como em reuniões de trabalho. Além disso, o Ipea passou a realizar inúmeras atividades, como cursos de formação em regiões anteriormente pouco assistidas do ponto vista técnico-científico.

O GLOBO: Além disso, o Ipea tem gastos expressivos com a contratação da Líder Taxi Aéreo: entre 2007 e 2010, foi pago R$ 1,9 milhão à empresa pelo Ipea. Como são usados exatamente os serviços da Líder? Só em viagens no Brasil ou também no exterior?

IPEA: O Ipea nunca utilizou os serviços de táxi aéreo de qualquer empresa, sejam em voos nacionais ou internacionais. Os deslocamentos dos servidores – inclusive presidente e diretores – são efetuados em vôos de carreira. As despesas constantes no Portal Transparência se referem à locação de salas de um imóvel do qual a empresa é proprietária e onde localiza-se a unidade do Ipea no Rio de Janeiro, desde 1980. Tal despesa é estabelecida por meio do Contrato 06/2009, firmado nos termos da Lei 8.666/93.

O GLOBO: O Ipea inaugurou este ano escritórios em Caracas e Luanda. Qual a função desses escritórios?

IPEA: São representações para apoiar a articulação de projetos de cooperação entre o Ipea e países em desenvolvimento. No caso de Caracas, os grandes temas envolvidos são macroeconomia e financiamento de investimento, acompanhamento e monitoramento de políticas públicas.

No caso de Luanda, os objetivos da missão são auxiliar na avaliação dos investimentos em infraestrutura, no processo de acompanhamento e monitoramento de políticas públicas, com destaque para as políticas sociais.

O objetivo dessas missões é de prestar apoio técnico a instituições e/ou organismos governamentais de outros países. Esses projetos fazem parte de um processo amplo do Ipea de fomentar a cooperação internacional. Foram firmados acordos de cooperação técnica com diferentes instituições e países, como Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento), OMPI (Organização Mundial de Propriedade Intelectual), OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), Federal Reserve Bank of Atlanta (Estados Unidos) e outras instituições na Suécia, Argentina, Burundi, Angola, Venezuela, Cuba etc.

O GLOBO: Quantos funcionários tem cada um? Qual é o gasto com essas bases no exterior?

IPEA: Cada país terá apenas um representante, que deverá promover a articulação/coordenação dos diferentes projetos. Os gastos se resumem aos salários correntes dos representantes, enquanto servidores do Ipea.

O GLOBO: Existem planos para montar outras?

IPEA: Há negociações ainda em fases iniciais.

O GLOBO: Onde ficam localizadas (endereços)? Temos a informação de que o escritório de Caracas funciona nas dependências da PDVSA. Procede?

IPEA: Sim. Nos acordos de cooperação estabelecidos, os países receptores devem fornecer escritório e moradia aos representantes do Ipea. No caso de Caracas, o governo venezuelano indicou a instalação da missão em edifício da estatal – que está cedendo apenas o espaço físico. No caso de Luanda, o governo angolano sinalizou a instalação da missão em edifício de um ministério. Não nos cabe questionar que ferramentas institucionais cada país utiliza para o cumprimento desse apoio à instalação das representações.

O GLOBO: Qual a relação direta entre os escritórios e a missão do Ipea?

IPEA: A realização de missão no exterior se fundamenta na competência do Ipea que lhe foi atribuída pelo presidente da República (art. 3º, anexo I do Decreto n.º 7.142, de 29 de março de 2010) de “promover e realizar pesquisas destinadas ao conhecimento dos processos econômicos, sociais e de gestão pública brasileira”. Além disso, a cooperação entre países conforma estratégia para a inserção internacional e passa a figurar dentre os princípios que regem as relações internacionais brasileiras, nos termos do artigo 4º da Constituição Federal, que estabelece que o Brasil recorrerá à “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”.

O GLOBO: Qual a justificativa para tantas viagens da diretoria a Caracas e Cuba, por exemplo? O DO registra pelo menos 15 viagens entre 2009 e 2010.

IPEA: As viagens estão relacionadas à consolidação de acordos de cooperação que o Ipea realiza visando ao avanço socioeconômico dos países em desenvolvimento. As viagens não ocorrem apenas para estes países, mas também para instituições dos países desenvolvidos (OCDE, Federal Reserve de Atlanta) e das Nações Unidas (UNCTAD, CEPAL), como os Estados Unidos e França, que, até o momento, nunca foram objeto de questionamentos ou justificativas.

O GLOBO: Os gastos com bolsistas também cresceram substancialmente nos últimos anos. Entre 2005 e 2009, o aumento desses gastos chega a 600%. Essa modalidade de contratação consumiu, entre 2008 e 2010, R$ 14,2 milhões do Orçamento do Ipea. Qual a justificativa para um aumento tão grande no número de bolsistas, só estudantes mais de 300?

IPEA: O Ipea aprimorou e ampliou seu programa de bolsas, incrementando seu relacionamento técnico com diversas instituições de estudos e pesquisas. Destaca-se o ProRedes, que organizou 11 redes de pesquisa entre 35 instituições em todo Brasil. Da mesma forma, por meio desse programa, foi lançado, em 2008, o Cátedras Ipea, com o objetivo de incentivar o debate sobre o pensamento econômico-social brasileiro.

A partir deste ano, este programa conta com a parceria e recursos da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Os bolsistas são selecionados por meio de chamadas públicas e desde o início do programa há participação de aprovados de todas as regiões do País. O crescimento no número de bolsas concedidas expressa a ampliação dos temas estudados no Instituto. Desde sua instituição, o Ipea atua na formação de quadros para as atividades de planejamento de políticas públicas.

O GLOBO: Entre os pesquisadores bolsistas aparece o nome de (*)1, que mantém um relacionamento com o diretor (*)1. Ela recebeu R$ 100 mil entre 2009 e 2010, por meio dessas bolsas de pesquisa, ao mesmo tempo em que ocupa um cargo de secretária na prefeitura de Foz de Iguaçu. Como o Ipea justifica a contratação?

IPEA: O nome referido não consta em nossa lista de bolsistas. A referida pesquisadora não foi contratada pelo Instituto nesta gestão. O desembolso citado – R$ 95 mil – trata-se de apoio a evento técnico-científico: 13º Congresso Internacional da “Basic Income Earth Network” (BIEN - Rede Mundial de Renda Básica). A liberação dos recursos foi efetuada em conta institucional-pesquisador, sujeita à prestação de contas dos recursos utilizados.

A seleção do referido evento, conforme chamada pública, foi realizada por comitê de avaliação, composto por pesquisadores, que considera as propostas de acordo com critérios pré-estabelecidos. Os diretores do Ipea não têm qualquer influência sobre as recomendações deste comitê.

O lançamento e resultados da seleção são divulgados no Diário Oficial da União e estão disponíveis no sítio do Instituto. Destaca-se ainda que tal sistemática é a mesma adotada em instituições como CNPq, Capes, FAPESP e todas as agências de fomento.

As chamadas são abertas à participação de pesquisadores vinculados a instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos, de reconhecido interesse público, que desenvolvam atividades de planejamento, pesquisa socioeconômica e ambiental e/ou que gerenciem estatísticas.

Vale ressaltar que o referido evento contou ainda com patrocínio de instituições como Fundação Ford, FAPESP, Corecon SP e RJ, Petrobras, Caixa, BNDES, Fundação Friedrich Ebert, e a Capes.

O GLOBO: Os gastos com comunicação social também tiveram aumento substancial. No Orçamento de 2010 estão previstos R$ 2,3 milhões para esse fim (rubrica 131). No ano passado não apareciam despesas nessa rubrica. No momento, o Ipea tem contratos com empresas de comunicação e marketing que somam R$ 4,5 milhões. Qual a justificativa para gastos tão elevados?

IPEA: Os contratos com ‘empresas de comunicação e marketing’ se referem a trabalhos de editoração digital e gráfica (revisão, diagramação e impressão) do trabalho produzido na casa (livros, boletins, revistas etc.) e de seu respectivo material de apoio (cartazes, fôlderes, banners, hot sites etc.). O Ipea não faz uso de inserções publicitárias de qualquer tipo. O orçamento previsto, portanto, contempla o crescimento substancial da produção intelectual do Instituto – de 102 títulos, em 2007, para 219, em 2009, num total de 14,6 mil páginas (dados c onstantes no Relatório de Atividades Executivo 2009 e disponíveis no sítio do Ipea na internet) –, além do cumprimento de um dos termos de sua missão: disseminar conhecimento. Razão para ‘justificativas’ haveria se, mesmo com a entrada de 117 novos servidores em 2009, o Instituto não vivenciasse crescimento de sua produção.

O GLOBO: Tenho um levantamento que mostra que atualmente existem 33 pessoas lotadas na Ascom do Ipea. Solicito indicar quantos jornalistas/assessores de imprensa e quais as outras funções.

IPEA: A Assessoria de Imprensa e Comunicação do Instituto possui oito jornalistas/assessores de imprensa. Os demais são pessoal de apoio para as atividades que estão sob jurisdição da Ascom: Editorial, Livraria, Eventos e Multimídia, em Brasília e no Rio de Janeiro.

O GLOBO: Sobre as obras da nova sede do Ipea, apuramos que já foram gastos mais de R$ 1 milhão no projeto e existe no orçamento de 2010 uma dotação de R$ 15 milhões para a obra, mas o Ipea ainda não tem a posse legal do terreno onde será construída a nova sede. Qual a justificativa para os gastos sem garantia do terreno? Gostaria também de esclarecimentos sobre a forma de contratação do escritório de arquitetura que elaborou o projeto.

IPEA: Os gastos do projeto de planejamento e construção de uma nova sede para o Ipea, em Brasília, foram realizados conforme planejamento autorizado em lei no Plano Plurianual 2008-2011. Todas as contratações obedecem rigorosamente aos preceitos da Lei de Licitações e Contratos, Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993, bem como aos princípios constitucionais previstos no caput do art. 37 da Carta Magna: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Quanto ao terreno, órgãos do governo do Distrito Federal asseguram-no como de destinação exclusiva à construção da sede do Ipea.

O GLOBO: O enquadramento de onze técnicos de Planejamento e Pesquisa, com mais de uma década de serviços prestados ao Ipea, no Quadro Suplementar do Plano de Carreira, o que praticamente congela a situação funcional dessas técnicos, com prejuízos financeiros e na carreira. Considerando que a base jurídica está sendo questionada internamente e já é objeto de ações na Justiça, solicito a justificativa do Ipea para a decisão. Como são técnicos remanescentes da administração anterior, questiono se não se caracteriza, no caso, algum tipo de perseguição política ou tentativa de esvaziamento do grupo de pesquisadores não alinhado com a nova linha do Ipea.

IPEA: Não há ‘perseguição’ de qualquer natureza, em absoluto. A atual administração age com base no estrito cumprimento da Lei 11.890/2008, que criou o Plano de Carreira e Cargos para a Instituição, com a inserção do cargo de Planejamento e Pesquisa na Carreira de Planejamento e Pesquisa, representando um marco na história da Instituição.

A referida lei determinou o enquadramento dos servidores na carreira, processo que foi realizado individualmente, resgatando-se o histórico funcional de cada um dos servidores. Isso permitiu o enquadramento de 277 (95,5%) dos 290 TPPs ativos. No que diz respeito aos servidores inativos, todos os 282 foram posicionados na Tabela de Subsídio. No total foram enquadrados 97,7% do total.

Os servidores que atenderam aos pré-requisitos estabelecidos na lei – e referenciados no Parecer da Procuradoria Federal do Ipea – para inserção na Carreira de Planejamento e Pesquisa ou posicionamento na tabela de subsídio foram imediatamente enquadrados ou posicionados na tabela remuneratória pertinente.

A atual direção, buscando esgotar as possibilidades de análise de viabilidade quanto ao enquadramento dos servidores que não cumpriram os referidos requisitos constantes na lei, encaminhou os seus processos para análise da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que corroborou, com posicionamento de sua Consultoria Jurídica, pelo enquadramento em Quadro Suplementar dos referidos servidores.

(1) Os nomes foram omitidos pelo Ipea para preservar as pessoas citadas.

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16898

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Quem compra a Veja - 13/08/2010

Em um vôo, havia uma Veja, que eu não leio, nem folheio há muitos anos. Não me interessava nada do que estava escrito ali, mas me dei ao trabalho de verificar as publicidades. Porque as publicações da mídia mercantil são vendidas para as agências de publicidade – e por estas às grandes empresas que anunciam - antes de ser vendidas aos leitores. A arrecadação com estas vendas é totalmente desprezível em comparação com o arrecadado com a publicidade.

Então é bom saber quem financia uma publicação decadente, com uma tiragem verticalmente descendente como a Veja. Saber que paga os funcionários da família Civita, saber com quem eles têm o rabo preso, ainda mais eles que se interessam tanto por saber onde o governo anuncia.

Do total de 152 páginas, 72 de publicidade – sem contas as da própria Abril. Primam os anúncios das empresas automobilísticas: 11, em geral cada anuncio em pagina dupla e algumas com vários anúncios no mesmo número. Pode chegar a um total de umas 20 páginas. Acho que não falta nenhuma do ramo: Hyundai, Citroen, Ford, Honda, Volkswagen, Citroen, Peugeot, Mercedes Benz, Chevrolet, Kia, Subaru.

Os bancos, claro: Itaú, Bradesco, HSBC. E várias outras das maiores empresas brasileiras: Votorantin, H. Stein, Gafisa, Knorr, Becel, Casas Renner, Dell, Boston Medical Care, Tv Record, Tim, Casas Bahia, Ambev, Bulova, Oral B, Shopping Center Iguatemi, Nextel, Tv Globo, Câmara Brasileira do Livro, McDonalds, Amó (perfumes), Bohemia, Racco (perfumes).

Não me dei ao trabalho de revisar a Vejinha, nesse caso a de São Paulo. Mas uma simples olhada dá para ver que a proporção é mais ou menos a mesma de publicidade no conjunto da publicação, que é de tamanho similar. Para que se tenha um critério de comparação, olhei uma revista Época – também encontrada no avião – e nela a publicidade ocupa 35 do total de 122 páginas, com os mesmos anunciantes.

Com alegria me dei conta de que não há publicidades governamentais, a não ser uma do Ministério da Saúde sobre o SUS. Isso corresponde à impossibilidade legal de publicidade no período eleitoral. Mas fica claro que, com esse elenco de grandes empresas anunciando, certamente nem necessitariam.

Como se pode ver, os rabos presos se dão, de forma direta, com grande parte dos setores empresariais mais importantes do país – a indústria automobilística em primeiro lugar, seguida pelos grandes bancos -, cujos interesses nunca se viu essa grande imprensa – que faz tudo, menos dar no tiro no próprio pé em termos de lucros – contrariar.

Aí está a lista dos que financiam a Veja e a Abril. Muito antes de que algum desavisado compre nas bancas ou responda positivamente as ofertas de assinatura – que insistem em oferecer muitos números grátis, “sem compromisso”, etc., etc., no desespero da queda brutal de tiragem da revista -, praticamente metade dos espaços já foi vendido para publicidade de grandes empresas privadas. Não há nenhuma universidade pública, nem sindicato ou central sindical, movimentos sociais, editoras pequenas e médias. O financiamento vem maciçamente dos que dominam a economia do Brasil ao longo de muitas décadas, que controlam os espaços fundamentais da imprensa privada brasileira.

http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=519

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O Globo contra o IPEA: a farsa continua- 24/08/2010

O jornal 'O Globo' segue em sua campanha contra o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Depois de ver fracassado seu intento de produzir uma matéria contendo ataques falsos à Instituição, no último domingo, o jornal, pelas mãos da repórter Regina Alvarez, busca o auxílio de universitários ligados ao PSDB e ao DEM para seguir com suas investidas.

Como se sabe, 'O Globo', dizendo querer ouvir o “outro lado” na matéria do final de semana, enviou extenso questionário em tom prepotente para a diretoria do órgão. Visando evitar que as respostas fossem manipuladas ou distorcidas, o IPEA resolveu publicar a íntegra de seus argumentos e fatos no site www.ipea.gov.br desde a noite de sexta-feira passada.

No domingo, 'O Globo' produziu uma matéria vazia, mas cheia de afirmações e conclusões sem comprovação. A matéria tinha um ponto positivo: divulgou que o Ipea teria dado respostas ao jornal em seu sitio. O número de visitas à página do IPEA, por sua vez, aumentou exponencialmente.

Volta à carga

Nesta terça, o jornal carioca tenta voltar à carga. Em matéria intitulada “Especialistas criticam interferência no Ipea”, a mesma Regina Alvarez consulta os economistas Regis Bonelli e Paulo Rabello de Castro, ambos militantes da oposição ao Governo e ardentes defensores das privatizações dos governos de Fernando Henrique Cardoso.

Logo de cara, a matéria, citando palavras de Bonelli, assegura que “Os atuais desvios de finalidade e a interferência política no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) comprometem a imagem da instituição, que se manteve como organismo de Estado em todos os governos”. Mais não diz. O curioso é que nunca o IPEA teve tanta credibilidade não apenas entre os setores empresariais e acadêmicos, mas também – e esta é a novidade – entre setores do movimento sindical e social.

O Globo vai adiante. A jornalista ouviu duas fontes universitárias e também um parlamentar, Valter Feldman, do PSDB-SP. Não deu lugar ao propalado “outro lado” . O IPEA não foi consultado dessa vez.

Segundo o texto, a opinião de Bonelli “reflete a opinião e o sentimento de outros pesquisadores, que preferem se manter no anonimato por temor a represálias”. Assim, em um “furo internacional”, ‘O Globo’ revela que há “represálias” internas no IPEA. Em qualquer redação do mundo isso seria pauta das mais quentes. Não na reportagem de 'O Globo', na qual nada de concreto aparece. A matéria revela apenas o empenho da jornalista em defender as idéias daqueles que pagam o seu salário. As mencionadas represálias e perseguições nunca foram comprovadas, apenas existem nos factóides que caracterizam o diário.

Desinformado

O economista Paulo Rabello de Castro, por sua vez, é o típico entrevistado que parece estar totalmente desinformado. Convidado a opinar, ele dispara: “O IPEA precisa retornar às pesquisas de fôlego que deixou de fazer: análises sobre emprego, distribuição de renda, competitividade da economia”. Ainda segundo o universitário, “caberia ao Instituto fazer um estudo aprofundado sobre a produtividade de segmento e ações do setor público, assim como uma análise efetiva e aprofundada da conjuntura internacional, que pode surpreender o governo”. E finaliza: “A produção atual é rala e superficial. Raramente alguma coisa impressiona”.

Rabelo de Castro deve ser muito ocupado ou provavelmente está sem acesso à internet. Se antes de responder tivesse se dado ao trabalho de consultar a página do IPEA, veria a profusão de pesquisas justamente sobre os temas que arrola.

Defensores do desmantelamento do Estado e da passagem das funções públicas de seus órgãos para a esfera privada, Bonelli, Rabello de Castro e Feldman se tornaram, da noite para o dia, ardorosos defensores do Estado.

Aparentemente, “O Globo” e suas fontes não sabem o que fazer com outras pesquisas. Não são as do IPEA, mas as eleitorais, que mostram a previsível derrocada de seu candidato em 3 de outubro. Perderam a linha. A baixaria, provavelmente, só vai aumentar. E outros universitários, conhecidos da grande mídia, serão chamados a ajudar ‘O Globo’. A tarefa inglória: o candidato José Serra vai caindo como um balão que apagou.

Tiro na água

Na página do IPEA, vale a pena o leitor conferir a pergunta que "O Globo", para apimentar a sua matéria do último domingo, fez sobre a contratação de jatinhos pela Instituição. Confiram a pergunta e a resposta.

Fogo amigo ou inimigo?

Um dos universitários consultados na matéria de hoje de ‘O Globo', que atacou a Instituição, recentemente foi contratado para produzir estudo que servirá de base para uma das mais importantes publicações que o IPEA lançará em breve.

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16900

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Guerra imperialista no século XXI- Acessado em 25/08/2010

Nenhuma análise ao imperialismo estaria completa sem a discussão da tendência sistemática do imperialismo na direcção da guerra. O carácter guerreiro do imperialismo e a sua dependência do militarismo podem mesmo criar uma crise social profunda e instabilidade nos Estados Unidos. Portanto, é importante discutir algumas das características salientes do militarismo imperial ao longo dos últimos 130 anos.

Três fases da guerra imperialista

Os poderes imperialistas envolveram-se em constantes guerras de agressão desde que o monopólio se tornou a força dominante no mundo capitalista. As guerras têm sido travadas por quase todos os poderes imperialistas, qualquer que seja a sua administração política: democrática liberal ou conservadora, social democrática, monarquista ou fascista.

O período de guerras imperialistas começou com a guerra de 1898, conhecida como a Guerra Hispano-Americana, na qual os EUA capturaram as Filipinas, Cuba e Porto Rico. Desde então têm havido guerras imperialistas incessantemente, com milhões de mortos e destruição incalculável. A pulsão permanente para a guerra tem persistido de formas diferentes através de períodos históricos diversos: primeiro, o período de guerras inter-imperialistas desde 1898 até 1946; depois o período de guerra entre os campos socialista e imperialista; e finalmente, a guerra para a reconquista do globo iniciada com a queda da União Soviética.

Guerra para redividir o mundo

Na sua obra Imperialismo, Lenine notou que a principal característica do imperialismo era a divisão completa do globo em colónias e "esferas de influência", provocando a luta permanente para dividir e redividir o globo. Os conflitos militares entre os imperialistas pelas esferas de influência predominaram até ao fim da Segunda Guerra Mundial que foi, de vários modos, a continuação a uma escala superior da Primeira Guerra Mundial. Nesta primeira, os imperialistas alemães tinham perdido as suas colónias em África para os britânicos. A Grã-Bretanha e a França tinham também dividido o Império Otomano no Médio Oriente.

Na Segunda Guerra Mundial o imperialismo germânico tentou novamente impor-se no palco mundial, desta vez numa aliança chamada o Eixo, com imperialistas japoneses e italianos. O Eixo foi decisivamente derrotado, mas a Grã-Bretanha e a França também saíram exaustas da guerra. A questão de quem continuaria a dominar o campo imperialista – questão de fundo nas duas grandes guerras – ficou finalmente decidida quando os EUA emergiram como o poder imperialista proeminente. Ficou a seu cargo a reorganização dos seus rivais capitalistas e de todo o mundo capitalista sob o seu domínio.

Guerra entre os campos socialista e imperialista

Durante a 2ª Guerra Mundial, a URSS sobreviveu não apenas a uma invasão massiva do imperialismo alemão mas continuando até derrotar os exércitos fascistas nazis, embora com elevados custos. Na China, os comunistas construíram um exército de trabalhadores e agricultores para resistir à invasão do imperialismo japonês. Após a guerra, a luta continuou numa base de classes contra os proprietários e os capitalistas aliados aos imperialistas – a chamada burguesia compradora. Quando a Revolução Chinesa triunfou em 1949 e a China se tornou aliada da URSS e da Europa de Leste, emergiu um campo socialista que consistia em quase um terço da população mundial.

Triunfante, o imperialismo nuclear dos EUA pôs fim a um período de 50 anos de guerras inter-imperialistas quando mobilizou as forças do capitalismo mundial num luta total para conter a expansão do campo socialista e das lutas nacionalistas de libertação na África, Ásia e América Latina, que ameaçavam derrubar o domínio colonial e neocolonial.

Os EUA visavam eventualmente destruir as forças do socialismo e de libertação e a velha força condutora da guerra, de divisão inter-imperialista do globo, foi relegada para segundo plano pela luta entre os dois campos representando dois sistemas sociais irreconciliáveis – o socialismo e o capitalismo. A Guerra da Coreia, a Guerra do Vietname, os financiamentos da CIA contra os movimentos de libertação em Angola, Moçambique, Nicarágua e El Salvador, a invasão da "Baía dos Porcos" em Cuba, e muitos outros conflitos fizeram parte da luta imperialista global contra o socialismo e a libertação nacional. A Guerra Fria, que foi na realidade uma guerra de classes, tornou-se em muitas guerras quentes e pequenas, com a ameaça de uma guerra mundial sempre à espreita, sob a bandeira do anticomunismo.

Guerra da reconquista global

O período que se seguiu ao colapso da USSR em 1991, em vez de trazer uma nova época de paz, como grande parte do mundo esperava, viu a imparável pulsão imperialista ressurgir novamente na forma de luta para reconquistar os territórios previamente perdidos na era das revoluções socialistas e de libertações nacionalistas. A burguesia estava determinada a prevenir outros países de se libertarem do imperialismo.

Antes da Revolução Bolchevique, como disse Lenine, quase todo o globo estava sob o domínio directo ou indirecto de um poder imperialista. Desde a criação de União Soviética, o capitalismo perdeu o seu poder sobre um sexto da superfície do planeta. A esfera geográfica de domínio imperialista contraiu-se constantemente durante 74 anos, inicialmente na Europa e Ásia, mas também no Médio Oriente, África e América Latina. O período após o colapso da URSS foi a primeira vez que o imperialismo se expandiu geograficamente desde a chamada divisão de África no final do século XIX.

Tal não significa que as guerras inter-imperialistas estejam agora permanentemente riscadas do mapa. Sob relações de forças alteradas, outros imperialistas não hesitariam em desafiar Washington. O desenvolvimento díspar dos poderes imperialistas, em particular a crescente força da Alemanha e Japão em relação ao capitalismo dos EUA é um factor adicional de motivação para o Pentágono usar a força militar para intimidar os seus rivais, para mostrar quem é o chefe e para assegurar que os imperialistas estado-unidenses ficam com a maior fatia do saque – como, por exemplo, no ataque da NATO à Jugoslávia, liderado pelos EUA.

Mas num futuro previsível, o domínio militar da classe dominante dos EUA parece inquestionável na esfera militar. Assim, a luta inter-imperialista vê-se confinada às esferas económica e diplomática. Se os imperialistas europeus e japoneses procuram melhorar as suas forças militares actualmente, não é com o propósito de desafiar o Pentágono militarmente, mas apenas para ganhar alguma capacidade independente de participar na reconquista do mundo sem ter de depender tanto de Washington.

'Mudança de regime' de Clinton a Bush

A nova orientação do instinto de guerra imperialista na direcção da reconquista não começou apenas nas mentes de George W. Bush e os chamados neocons, Foi inicialmente codificada pela administração Clinton em relação ao Iraque. De facto, o termo "mudança de regime" foi pela primeira vez introduzido na lei em 1998 sob pressão da direita. Uma mudança de regime no Iraque foi explicitamente exigida numa carta de 1998 assinada por, entre outros, Donald Rumsfeld e Paul Wolfowitz. Foi então levada à prática pela administração Clinton com sanções e com bombardeamentos contra o Iraque e uma guerra aérea não provocada e sem misericórdia contra a Jugoslávia, o último país semi-independente na Europa Central e do Sul, que havia retido elementos do socialismo após a era do presidente Tito.

O conceito de mudança de regime foi expandido pela administração Bush na sua doutrina de "Estratégia de Segurança Nacional" de Setembro de 2002, generalizando o direito do imperialismo dos EUA impor "mudanças de regime" e começar as chamadas "guerras preventivas". Bush identificou claramente o Iraque, o Irão e a República Democrática da Coreia no seu infame discurso sobre o "Eixo do Mal".

Embora não tenha apontado explicitamente Cuba no seu discurso, a administração Bush fez tudo que podia para derrubar o seu governo e restabelecer o velho regime colonialista. Também usou medidas subversivas contra a Venezuela, a Bolívia, o Equador e outros governos que procuravam libertar-se do imperialismo.

A "Revisão da Postura Nuclear" (Nuclear Posture Review) de Bush anunciou a adopção pela primeira vez da política do "primeiro ataque nuclear", revendo a doutrina dos militares estado-unidenses para integrar ataques tácticos nucleares em campos de batalha, juntamente com armas convencionais. Junto com a mudança de doutrina, Bush mandou marcar sete países como potenciais alvos de ataques nucleares.

Ao mesmo tempo, de forma menos publicitada, o Pentágono também começou a modernização das suas forças de ataque na região do Pacífico construindo um sistema anti-míssil regional. Também construía bases na Ásia Central, no flanco Sul da Rússia e da China, deslocando forças da Europa Ocidental para a Europa de Leste e Balcãs.

Vale a pena notar que em Março de 1992, após o colapso da URSS e no fim da administração Bush I, um documento interno do Departamento de Defesa chamado "Guia de Planeamento de Defesa" declarou a intenção do imperialismo dos EUA de dominar o mundo e avisou que nenhum poder ou combinação de poderes poderia alguma vez pensar desafiar Washington ou o Pentágono. Foi escrito por Paul Wolfowitz, Dick Cheney e "Scooter" Libby, que mais tarde foi condenado no caso envolvendo a agente da CIA Valeria Plame. Os três homens avalizaram o documento.

Partes deste documento chegaram ao New York Times, mas o documento completo nunca foi tornado público. Durante as seguintes administrações de Bill Clinton e George W. Bush, ocorreu uma evolução significativa da estratégia expansiva de imperialismo dos EUA – de um domínio estático para a reconquista activa, isto é, "mudança de regime".

Os slogans reaccionários da era da reconquista têm sido modelados para cativar as massas nesta era pós-soviética: "a guerra contra o terrorismo", a necessidade de eliminar e prevenir "armas de destruição em massa", a campanha para "espalhar a democracia" e para "acabar com a tirania", etc… e estão a ser tomados por todos os media capitalistas e pelos políticos no poder como slogans gerais para a época. Já circulavam antes do 11 de Setembro, mas assumiram força total desde então.

Tais slogans, claro, são dirigidos contra os governos de países que se afastaram do imperialismo no último século ou contra movimentos e países que estejam a lutar pela sua libertação. Esta ofensiva ideológica na era da reconquista é o equivalente à cruzada anticomunista na era da Guerra Fria. Os gritos de "comunismo maldito," etc, eram uma cortina de fumo para a tentativa de incendiar preconceitos e esconder o carácter de luta de classe entre os dois campos do socialismo e imperialismo.

Quando a URSS, a República Democrática Alemã e a Europa de Leste entraram em colapso, o imperialismo reconquistou o acesso a mais de um quinto do globo. Os poderes imperialistas também ficaram com rédea solta para explorar muitos países burgueses semi-independentes, que se tinham apoiado na URSS e no campo socialista para resistir às agressivas tentativas de penetração neocolonialista pelo imperialismo. No entanto, ainda havia porções significativas do globo fora do domínio do imperialismo. Washington desde então pôs como prioridade a reconquista destas partes do mundo que ainda têm qualquer forma de independência e que possam constituir um obstáculo ao avanço do capital monopolista.

Assim, apesar da forma do impulso de guerra imperialista ter mudado com o tempo, adaptando-se às novas situações no mundo e às novas relações de forças à escala global, a natureza fundamental do impulso explicada por Lenine é tão verdade hoje como o era no seu tempo. O seu objectivo é assegurar e expandir os lucros do capital monopolista, cuja pulsão para acumular capital é incontrolável.

Colossos com pés de barro

Ao planear a guerra com o Iraque, o então secretário da Defesa Donald Rumsfeld desenvolveu a doutrina que reflectia a sua visão militar em apoio ao documento da "Estratégia Nacional de Segurança" de 2002, a doutrina estratégica de reconquista que foi exposta publicamente por Bush. A doutrina Rumsfeld foi testada no Iraque mas faz parte de uma estratégia global e planeamento para uma "transformação militar" promulgada à partida pela administração Bush. A sua essência era usar a combinação de sistemas de direccionamento de alta tecnologia da terra, mar, ar e espaço para coordenar ataques altamente letais e precisos que criassem "choque e espanto" o suficiente para derrubar ou ferir de morte um regime. Apoiava-se também em forças terrestres com números limitados, dando ênfase a forças especiais altamente treinadas que fossem rapidamente enviadas por todo o globo para consumar a conquista.

Tendo isto em vista, esta doutrina foi feita à medida para demonstrar que o imperialismo dos EUA tem a capacidade para empreender a sua campanha de reconquista. A doutrina Rumsfeld tentou conscientemente ultrapassar o ponto fraco fatal do imperialismo estado-unidense – como lidar com as massas em casa e no estrangeiro – concentrando-se no que considerava serem os seus pontos mais fortes: alta tecnologia e poder militar avassalador.

Vendo as consequências desastrosas no Iraque e o falhanço redondo do Pentágono para antecipar uma resistência sustentada e poderosa à ocupação pelos EUA, esta doutrina pode parecer agora ter-se baseado numa ilusão. Mas tinha um propósito claro do ponto vista da estratégia imperialista. Foi usada para tentar mostrar que os militares estado-unidenses, usando alta tecnologia, elevado poder de fogo explosivo e forças terrestres em número reduzido, poderiam conquistar o mundo deitando abaixo regimes que se lhe opusessem sem terem de recorrer ao recrutamento militar obrigatório – a conscrição. O seu objectivo era conseguir a conquista imperialista no exterior mantendo a estabilidade social em casa.

O falhanço da doutrina Rumsfeld em face da resistência iraquiana confirma a caracterização do imperialismo que Lenine fez durante a luta dos bolcheviques para se manterem no poder. Em Outubro de 1919, Lenine abordou o assunto da marcha da guerra contra os exércitos imperialistas de intervenção e as forças contra-revolucionárias internas cercando a revolução por todos os lados:

A vitória numa guerra vai para o lado cujos membros sejam mais numerosos, tenham maiores reservas de força e maior resiliência.

Nós temos mais de todas estas qualidades que os Brancos, mais que o "todo-poderoso" imperialismo anglo-francês, esse colosso com pés de barro. Nós temos mais gente que eles porque podemos recrutar, e por um longo tempo poderemos continuar a recrutar, mais e mais profundamente, de entre os trabalhadores e agricultores, essas classes que eram oprimidas pelo capitalismo e que por todo o lado formam uma avassaladora maioria da população…

Os nossos inimigos, quer sejam russos ou a burguesia mundial, não têm nada que se assemelhe sequer a estas reservas; o chão cede cada vez mais sob os seus pés; estão a ser abandonados por números cada vez maiores dos seus anteriores apoiantes entre trabalhadores e agricultores.

A doutrina Rumsfeld foi formulada precisamente para minimizar o papel das massas. Ela mostra que apesar de Bush, Cheney e Rumsfeld (e agora os seus sucessores no Pentágono), terem subestimado o papel do povo, a sua estratégia não obstante procurava fazer tudo militar e tecnologicamente possível para circundar o problema da resistência aos recrutamentos em casa e uma guerra mais extensa no Iraque, Afeganistão e outros.

No Iraque, as coisas acabaram exactamente como Lenine previa. A resistência, apesar de confrontada com poder de fogo inultrapassável, com dezenas de milhares dos seus apanhados e aprisionados, milhares de mortos e apesar de estar dividida em várias facções, apoiou-se fortemente nas massas iraquianas enquanto a força invasora dos EUA começa a ficar exausta e "o chão começava mais e mais a ceder sob os seus pés".

Quando o fumo se dissipar no Iraque, ou talvez antes, os imperialistas terão de voltar à mesa de planeamentos. Washington e o Pentágono terão de recalcular a sua abordagem militar.

A questão que o movimento contra a guerra enfrenta é o seguinte: Será que a classe dirigente, vendo a sua vulnerabilidade no Iraque, Afeganistão e Irão, declarará que as suas ambições estão além dos seus recursos e retirar-se-á para um modo menos beligerante e menos expansivo? Ou orientar-se-á ainda mais na direcção do aventureirismo militar?

O confronto em desenvolvimento com o Irão é o caso em questão. O Pentágono está atolado no Iraque e no Afeganistão. A administração Bush e os seus principais estrategas militares foram humilhados. O grande, "todo-poderoso" colosso, para usar o termo de Lenine, foi mantido à distância. A administração Bush está agora na posição de ter de restaurar o estatuto de superpotência invencível de Washington.

Assim, há constantes conversas de ataques nucleares a países em desenvolvimento sem capacidades nucleares como o Irão, que nem sequer está em guerra com os EUA. Uma perspectiva tão horrenda, caso tivesse sido contemplada durante a era soviética, nunca poderia ter sido sequer sussurrada em público. (Foi revelado após a Guerra do Vietname que Henry Kissinger, o secretário de Estado de Nixon, ameaçou os vietnamitas com ataques nucleares várias vezes durante as negociações de "paz". Mas tal façanha nunca foi trazida à luz do dia na altura.)

Se os EUA usarão efectivamente armas nucleares ou levarão a cabo ataques militares não provocados contra o Irão é algo que não se sabe. Mas o facto de o Pentágono andar a acenar com ameaças nucleares é não só um sinal de loucura militar como de desespero e, em última análise, de fraqueza estratégica na sua luta para reconquistar o mundo.

Paz, um interlúdio entre guerras

Uma das principais teses do Leninismo é que a guerra na era do imperialismo é inevitável. Os períodos de paz são apenas interlúdios de preparação de novas guerras. A sangrenta história do imperialismo corrobora esta tese. A postura agressiva de Democratas e Republicanos em relação ao resto do mundo é uma demonstração diária na esfera política de como está fortemente entranhada na classe dirigente esta tendência na direcção da aventura militar, chauvinismo do grande poder e dominação.

As forças dominantes do imperialismo, como afirma Lenine, são os maiores e mais poderosos monopólios – tais como as grandes petrolíferas, o complexo industrial-militar, os bancos transnacionais, etc. É necessário fortificar o movimento nesta causa e continuar a criar estratégias que alcancem os trabalhadores com uma mensagem anti-militarista.

Isto é particularmente pertinente na questão de manter a independência do movimento dos trabalhadores em relação ao Partido Democrata controlado pelo imperialismo e quaisquer outros movimentos políticos ligados ao imperialismo. A possibilidade de uma evolução pacífica do imperialismo resume-se à questão de o capitalismo poder ou não suavizar as suas contradições económicas e funcionar em sentido oposto às leis da acumulação capitalista e da necessidade de maximização do lucro. Mas essas são forças irreprimíveis que direccionam a classe dominante para a guerra, quer esta queira, quer não.

Expandir ou morrer

A luta para penetrar e reconquistar o globo não é uma escolha feita pela classe dominante, assim como a luta anterior para redividir o globo também não o era, tendo resultado em duas guerras mundiais, na luta contra o campo socialista que ameaçou uma guerra termonuclear e provocou grandes guerras de agressão na Coreia e no Vietname. Qualquer guerra individualmente pode parecer uma questão de escolha, mas a consistência da pulsão para a guerra durante um período que atravessa séculos mostra o seu carácter altamente enraizado. Todas estas guerras foram impulsionadas pela necessidade orgânica que o imperialismo tem de se expandir ou morrer.

Estas aventuras militares foram o resultado das pressões subjacentes para encontrar novas esferas de investimentos, de matérias-primas e de mercados para as forças produtivas e em desenvolvimento dinâmico do capitalismo mundial, que há muito ultrapassaram os limites do Estado-nação. A pressão pela guerra vem das contradições internas do desenvolvimento massivo da capacidade produtiva, que ultrapassa sempre o desenvolvimento lento do consumo sob o capitalismo, do que resulta inevitavelmente a sobre-produção capitalista, a contracção da exploração capitalista, o encolher dos lucros e o desemprego em massa – também conhecidos como Depressão.

A guerra é um evento disruptivo e potencialmente desestabilizante para o capitalismo. A maior parte da burguesia, exceptuando o complexo industrial-militar, preferiria indubitavelmente a paz à guerra. A paz com a opressão de classes é o melhor cenário possível para a burguesia, pois garante a exploração ininterrupta e "pacífica" do trabalho e o acumular de lucros. Mas mesmo aqueles das classes dominantes que preferem a paz irão para a guerra se esse for o único caminho disponível para continuar a expandir lucros e atrasar ou afastar uma crise económica de acumulação capitalista. É a classe dominante que controla o Estado. É a classe dominante que tomará as decisões acerca da guerra e da paz até que a classe trabalhadora lhes tire das mãos esse Estado e construa um para si.

[*] Vive em Nova York e escreve sobre assuntos internacionais e internos dos EUA numa perspectiva marxista. A versão final destre trabalho foi apresentada na IV Conferência Internacional 'A obra de Karl Marx e os desafios do século XXI', realizada em Havana, Cuba, em Maio de 2008.

http://resistir.info/eua/goldstein_imperialist_war_p.html

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"O Pentágono está terceirizando a guerra. Eles criaram, já há algum tempo, desde o início dos anos 90 as Military Company Corporations [Companhias Militares Privadas, em inglês], que executam os serviços militares justamente para fugir às restrições impostas pelo Congresso americano. Pilotam aviões no Iraque, por exemplo. As companhias militares privadas estão fazendo tudo, até torturando. Com isso, escamoteiam as restrições impostas"

"As bases permitem a manutenção de grandes orçamentos para o Pentágono. Por causa da indústria bélica, do complexo industrial militar nos EUA, eles precisam gastar seus equipamentos militares para novas encomendas. É um círculo vicioso. E qual é o mercado para o consumo dos armamentos? A guerra. Os EUA têm interesse na guerra porque a sua economia depende em larga medida do complexo bélico, para inclusive manter empregos. Há certas regiões dos EUA dominadas totalmente pelo interesse dessas indústrias. Há uma simbiose entre o estado e a indústria bélica. O estado financia a indústria bélica e a indústria bélica necessita do estado para dar vazão aos seus armamentos e a sua produção"


Professor Moniz Bandeira diz que EUA têm "cinturão militar" em volta do Brasil - Acessado em 26/08/2010

Brasília – Há mais de 50 anos o professor Luiz Alberto Moniz Bandeira tem como objeto de estudo os Estados Unidos da América. Em entrevista à Agência Brasil, ele fala sobre os "cerca de 6.300 militares americanos [que] estiveram baseados ou realizaram operações na região da Amazônia entre 2001 e 2002", conforme revela no livro Formação do Império Americano. Da guerra contra a Espanha à guerra do Iraque.

Leia, abaixo, a entrevista concedida no escritório de seu amigo, o secretário-geral do Ministério de Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães ( Nota Defesa@Net o secretário-geral é o segundo em importância logo após o Chanceler).

Agência Brasil: O que o senhor diz da presença dos Estados Unidos na América do Sul?
Moniz Bandeira: Os Estados Unidos estão realmente criando, já há muitos anos, um cinturão em volta do Brasil.

ABr: De bases militares?
Moniz Bandeira: De bases militares sim. Base de Manta, no Equador, e outras, no Peru, na Bolívia. Algumas são permanentes, outras são para ocupação ocasional. Como essa do Paraguai, que não é propriamente uma base: eles têm uma pista construída desde a década de 80, maior do que a pista do Galeão (no Rio de Janeiro, a maior pista de pouso do Brasil, com 4.240 metros de extensão). Agora a notícia é de terão 400 soldados (norte-americanos, no Paraguai). Fazem exercícios conjuntos, juntam grupos para fazer exercícios perto da fronteira do Brasil ou em outros pontos. O mais curioso nisso tudo, e aí sim levanta muita suspeita: primeiro, a concessão de imunidade aos soldados americanos; segundo, a visita de Donald Rumsfeld (secretário de Defesa dos EUA) a Assunção, capital do país; terceiro, o fato de que Dick Cheney (vice-presidente norte-americano) recebeu nos Estados Unidos o presidente do Paraguai. O que representa o Paraguai para os Estados Unidos? Isso é só uma forma de perturbar o Mercosul.

ABr: Analistas dizem que hoje o Paraguai cumpre a função de aliado dos EUA, que um dia cumpriu a Argentina, com o presidente Carlos Menem, e depois o Uruguai, com Jorge Battle.
Moniz Bandeira: É o que eles tentam, primeiro a Argentina de Menen, depois o Uruguai de Battle, agora querem manipular o Paraguai. É uma situação delicada. O Paraguai não tem peso. Inclusive, se o Brasil fiscalizar a fronteira, acaba o Paraguai, porque a maior parte das exportações do Paraguai é contrabando para o Brasil. O Paraguai, oficialmente, destina ao Brasil mais de 30% de suas exportações. Se considerar o contrabando, sobe para mais de 60%. E mesmo para exportar para outros países depende substancialmente do Brasil, dos corredores de exportação que levam para os portos de Santos, Paranaguá e Rio Grande. O Paraguai é um país com muitas dificuldades, se superestima, e não cai na realidade. Cada país tem que ver suas limitações, relações reais de poder. O Paraguai é inviável sem o Brasil e a Argentina. A Argentina está solidária com o Brasil, não tem interesse no Paraguai como instrumento dos Estados Unidos para ferir o Mercosul.

ABr: Onde estão, especificamente, os militares norte-americanos que formam esse "cinturão" ao redor do Brasil?
Moniz Bandeira: Eles se estendem desde a Guiana, passam pela Colômbia... Sobretudo não são militares fardados, mas empresas militares privadas, que executam uma série de serviços terceirizados para os Estados Unidos. O Pentágono está terceirizando a guerra. Eles criaram, já há algum tempo, desde o início dos anos 90 as Military Company Corporations [Companhias Militares Privadas, em inglês], que executam os serviços militares justamente para fugir às restrições impostas pelo Congresso americano. Pilotam aviões no Iraque, por exemplo. As companhias militares privadas estão fazendo tudo, até torturando. Com isso, escamoteiam as restrições impostas.

ABr: Existem também operações secretas?
Moniz Bandeira: Sim, mas isso é outra coisa. Sabemos dessas informações. Se você ler os jornais, verá, às vezes, que foi interceptado um avião americano no Brasil que voava da Bolívia para o Paraguai clandestinamente. Essas informações estão espalhadas em vários lugares.

ABr: Qual a razão desses militares norte-americanos na América do Sul?
Moniz Bandeira: Diversos fatores. As bases permitem a manutenção de grandes orçamentos para o Pentágono. Por causa da indústria bélica, do complexo industrial militar nos EUA, eles precisam gastar seus equipamentos militares para novas encomendas. É um círculo vicioso. E qual é o mercado para o consumo dos armamentos? A guerra. Os EUA têm interesse na guerra porque a sua economia depende em larga medida do complexo bélico, para inclusive manter empregos. Há certas regiões dos EUA dominadas totalmente pelo interesse dessas indústrias. Há uma simbiose entre o estado e a indústria bélica. O estado financia a indústria bélica e a indústria bélica necessita do estado para dar vazão aos seus armamentos e a sua produção.

ABr: Existe alguma razão estratégica do ponto de vista dos recursos naturais?
Moniz Bandeira: Os países andinos são responsáveis por mais de 25% do petróleo consumido nos Estados Unidos. Só a Venezuela é responsável por cerca 15% desse consumo. De um lado querem derrubar o (presidente venezuelano Hugo) Chávez, de outro sabem que uma guerra civil ali levaria o preço do petróleo a mais de US$ 200 o barril.

EUA alegam combater terrorismo para justificar presença
militar na América do Sul, avalia estudioso

Agência Brasil: No livro Formação do Império Americano, o senhor fala sobre a presença de militares norte-americanos na América do Sul. Os Estados Unidos garantem que muitos desses militares estão na região para combater o terrorismo.
Luiz Alberto Moniz Bandeira: Combater o terrorismo é uma besteira. O terrorismo não é uma ideologia, não é um Estado. É uma ferramenta de luta, é um método que todos usaram ao longo da história. O que eles querem combater agora é o terrorismo islâmico. Mas por que surgiu esse fenômeno do terrorismo islâmico? Com a presença dos EUA na Arábia Saudita ocupando os lugares sagrados, por exemplo. Antes disso, ainda, Os EUA insuflaram o terrorismo islâmico contra os soviéticos, no Afeganistão. Começou aí.

ABr: Os EUA classificam de terroristas o Exército Zapastita de Libertação Nacional do México e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Estão certos?
Moniz Bandeira: Eles desejam que todos que os se insurgirem contra eles sejam considerados terroristas. Sempre foi assim. Hitler chamou de terroristas todos os que resistiam à ocupação alemã. Os companheiros que foram da luta armada aqui no Brasil contra o regime autoritário foram chamados de terroristas. O terrorismo é um método de guerra, usado inclusive pela CIA [sigla em inglês para a Agência Central de Inteligência dos EUA]. O que a CIA fez contra Cuba? Planejou até um atentado, derrubando um avião, para acusar o governo cubano e justificar a invasão de Cuba. Planejou explodir o foguete que levaria John Glenn ao espaço para acusar Cuba e invadi-la. A CIA sempre foi um instrumento de terrorismo. Os EUA definem o terrorismo como sendo uma organização a serviço de um estado que pratica atos de violência com objetivos políticos. É exatamente o que CIA sempre fez. A CIA, o Mossad [a agência de inteligência israelense] e outros serviços. Quem são terroristas? Ariel Sharon, David Ben Gourion e Menachem Begin foram terroristas. Eles explodiram em 1946 o King David Hotel em Jerusalém, matando pessoas contra o domínio inglês. Venceram e hoje são estadistas.

ABr: Os Estados Unidos dizem que existem terroristas na tríplice fronteira.
Moniz Bandeira: Besteira também. Apenas porque existam lá islâmicos. Porque eles mandam dinheiro privadamente para suas famílias. Que esse dinheiro seja desviado para outras atividades ninguém pode impedir. É um pretexto para justificarem a sua presença no Paraguai e em outras partes da América do Sul. Os Estados Unidos são o único país que tem um exército não para defesa do país, mas para manter bases americanas pelo mundo.

ABr: A presença de bases americanas pode atrair o terrorismo?
Moniz Bandeira: A maior quantidade de ataques terroristas contra os Estados Unidos, até recentemente, foi na América latina. Grande parte contra militares, empresas privadas norte-americanas e contra os oleodutos na Colômbia. Mas eles podem forjar um atentado terrorista em Foz do Iguaçu para acusar terroristas e, na verdade, foi praticado pela CIA. Eles fazem isso. Isso é guerra psicológica. A CIA cansou de fazer isso, inclusive aqui no Brasil. Veja o caso do Rio Centro: um atentado preparado para justificar a repressão.

Brasil trabalha para evitar a presença norte-americana
na América do Sul, diz professor

Agência Brasil: Qual o interesse do Brasil na América do Sul?
Moniz Bandeira: Ao Brasil interessa a estabilidade da América do Sul. E também não interessa a presença americana na América do Sul.

ABr: Mas como é que se pode evitar isso?
Moniz Bandeira: Evitando a entrada das Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] aqui. O exército está preparado. Existe uma operação para prevenir uma eventual invasão da Amazônia pelos norte-americanos. Os norte-americanos precisam do Brasil, porque o Brasil é um país moderado, fator de moderação. E é claro que isso interessa ao Brasil, ser um fator de moderação na América do Sul, entre os EUA e a Venezuela, por exemplo.

ABr: Mas o Brasil não consegue evitar que países como o Paraguai, por exemplo, façam acordos bilaterais com o EUA.
Moniz Bandeira: Consegue. Se o acordo ferir o Mercosul, o Paraguai é expelido e o Brasil aplica sanções. Os países do Mercosul têm acordos que tem serem cumpridos. E eles não podem correr o risco de saírem do Mercosul, porque dependem do mercado brasileiro, que é mais certo do que o mercado norte-americano. O Uruguai vai vender carne para os Estados Unidos, ou arroz? É muito mais barato exportar para o Brasil do que para os EUA.

ABr: O Brasil teria como evitar a presença militar norte-americana em países que estão fora do Mercosul?
Moniz Bandeira: O Brasil não pode interferir na soberania dos outros países. O Brasil também não está competindo com os Estados Unidos, não é caso. No caso do Mercosul sim, aí é diferente porque há compromissos, tratados. Não pode fazer um acordo de livre comércio com o EUA e manter a tarifa dentro de uma união aduaneira em que há uma tarifa externa comum.

ABr: O presidente mexicano, Vicente Fox, já declarou ter interesse em levar seu país ao Mercosul. É possível?
Moniz Bandeira: É ridículo quando o presidente Fox diz que o México quer entrar no Mercosul. Essa é uma jogada a serviço do Estados Unidos, porque o México não pode compatibilizar a Alca [Área de Livre Comércio da América, proposta pelos EUA] com o Mercosul. Nem o Mercosul tem uma tarifa externa comum como o Nafta [sigla em inglês para o Acordo de Livre Comércio da América do Norte]. É um acordo entre Estados Unidos, México e Canadá, sem tarifas externas. É uma área de livre comércio pura e simplesmente, então não é possível compatibilizar os compromissos do Mercosul com os do Nafta. Conciliar o México com o Mercosul é impossível. Aliás, não é um país do sul, é um país do norte.


http://www.defesanet.com.br/notas/abr_mb.htm
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Pesquisas polêmicas - 25/08/2010

Como explicar que Dilma tivesse crescido 18 pontos em 27 dias, saindo de uma desvantagem para Serra de um ponto, em 23 de julho, para 17 pontos de frente, em 20 de agosto? Que ganhasse 24 milhões de eleitores no período, à taxa de quase um milhão ao dia? Que crescesse nove pontos em uma semana, entre 12 e 20 de agosto, apenas nela conquistando 12,5 milhões de novos eleitores? O artigo é de Marcos Coimbra.

Marcos Coimbra - Correio Braziliense

Boas pesquisas são um insumo para a definição de linhas de comunicação que aumentam a percepção dos pontos fortes de uma candidatura e que explicam suas deficiências. As incertas podem fazer que um bom candidato se torne um perdedor.

Pesquisas nas quais não se pode confiar são um problema. Elas atrapalham o raciocínio. É melhor não ter pesquisa nenhuma que tê-las.

Ao contrário de elucidar e ajudar a tomada de decisões, confundem. Quem se baseia nelas, embora ache que faz a coisa certa, costuma meter os pés pelas mãos.

Isso acontece em todas as áreas em que são usadas. Nos estudos de mercado, dá para imaginar o prejuízo que causam? Se uma empresa se baseia em uma pesquisa discutível na hora de fazer um investimento, o custo em que incorre?

Na aplicação das pesquisas na política, temos o mesmo. Ainda mais nas eleições, onde o tempo corre depressa. Não dá para reparar os erros a que elas conduzem.

Pense-se o que seria a formulação de uma estratégia de campanha baseada em pesquisas de qualidade duvidosa. Por mais competente que fosse o candidato, por melhores que fossem suas propostas, uma candidatura mal posicionada não iria a lugar nenhum. Com a comunicação é igual. Boas pesquisas são um insumo para a definição de linhas de comunicação que aumentam a percepção dos pontos fortes de uma candidatura e que explicam suas deficiências. As incertas podem fazer que um bom candidato se torne um perdedor.

E na imprensa? Nela, talvez mais que em qualquer outra área, essas pesquisas são danosas. Ao endossá-las, os veículos ficam em posição delicada.

Neste fim de semana, a Folha de São Paulo divulgou a pesquisa mais recente do Datafolha. Os problemas começaram na manchete, que se utilizava de uma expressão que os bons jornais aposentaram faz tempo: “Dilma dispara…”. “Dispara..”, “afunda…” são exemplos do que não se deve dizer na publicação de pesquisas. São expressões antigas, sensacionalistas.

Compreende-se, no entanto, a dificuldade do responsável pela primeira página. O que dizer de um resultado como aquele, senão que mostraria uma “disparada”? Como explicar que Dilma tivesse crescido 18 pontos em 27 dias, saindo de uma desvantagem para Serra de um ponto, em 23 de julho, para 17 pontos de frente, em 20 de agosto? Que ganhasse 24 milhões de eleitores no período, à taxa de quase um milhão ao dia? Que crescesse nove pontos em uma semana, entre 12 e 20 de agosto, apenas nela conquistando 12,5 milhões de novos eleitores?

O jornal explicou a “disparada” com uma hipótese fantasiosa: Dilma cresceu esses nove pontos pelo “efeito televisão”. Três dias de propaganda eleitoral (nos quais a campanha Dilma teve dois programas e cinco inserções de 30 segundos em horário nobre), nunca teriam esse impacto, por tudo que conhecemos da história política brasileira. Aliás, a própria pesquisa mostrou que Dilma tem mais potencial de crescimento entre quem não vê a propaganda eleitoral. Ou seja: a explicação fornecida pelo jornal não explica a “disparada” e ele não sabe a que atribuí-la. Usou a palavra preparando uma saída honrosa para o instituto, absolvendo-o com ela: foi tudo uma “disparada”.

É impossível explicar a “disparada” pela simples razão que ela não aconteceu. Dilma só deu saltos espetaculares para quem não tinha conseguido perceber que sua candidatura já havia crescido. Ela já estava bem na frente antes de começar a televisão.

Mas as pesquisas problemáticas não são danosas apenas por que ensejam explicações inverossímeis. O pior é que elas podem ajudar a cristalizar preconceitos e estereótipos sobre o país que somos e o eleitorado que temos.

Ao afirmar que houve uma “disparada”, a pesquisa sugere uma volubilidade dos eleitores que só existe para quem acha que 12,5 milhões de pessoas decidiram votar em Dilma de supetão, ao vê-la alguns minutos na televisão. Que não acredita que elas chegaram a essa opção depois de um raciocínio adulto, do qual se pode discordar, mas que se deve respeitar. Que supõe que elas não sabiam o que fazer até aqueles dias e foram tocadas por uma varinha de condão.

Pesquisas controversas são inconvenientes até por isso: ao procurar legitimá-las, a emenda fica pior que o soneto. Mais fácil é admitir que fossem apenas ruins.


http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16903
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Islamismo e política - 24/08/2010

A islamofobia vem crescendo e obscurecendo a capacidade de se compreender o que ela realmente esconde. Trata-se de um preconceito que reúne o ódio aos que têm uma religião com mais de um bilhão de adeptos ao velho racismo anti-árabe, anti-oriental e anti-negro.

Luís Carlos Lopes

A polêmica em torno do projeto de construção de uma mesquita em Nova York demonstra os desvairos do tempo presente. Prova que uma boa parte dos estadunidenses acredita que a religião muçulmana possa explicar o 11 de setembro de 2001. O povo protestando nas ruas a favor e contra o citado projeto e a forte espetacularização midiática sobre o caso comprovam como é fácil convencer as multidões com argumentos falsos e superficiais. Isto não é nenhuma novidade nos EUA e nem mundo afora. Comprova também que, mesmo neste país, esta questão está longe de estar pacificada.

A islamofobia vem crescendo e obscurecendo a capacidade de se compreender o que ela realmente esconde. Trata-se de um preconceito que reúne o ódio aos que têm uma religião com mais de um bilhão de adeptos ao velho racismo anti-árabe, anti-oriental e anti-negro. O sentimento islamofóbico vem, sendo há muito tempo, amplamente difundido pelas grandes mídias, especialmente, pela indústria cinematográfica dos EUA. Nos filmes de ação de péssimo gosto e clara intenção propagandística há, habitualmente, alguém identificável como muçulmano que representa o mal a ser combatido.

As raízes da islamofobia são muito antigas, as mesmas do anti-semitismo e dos mil e um preconceitos originados no cristianismo medieval. A velha Igreja demonizou judeus, árabes, asiáticos e negros que não possuíam a mesma fé, tratando-os como infiéis e subumanos. As Cruzadas foram movimentos comerciais e punitivos europeu-católicos em direção à Jerusalém. Nunca se viu os árabes, responderem na mesma moeda. É bem verdade, que o velho projeto expansionista árabe conseguiu permanecer na Europa por, aproximadamente, mil anos, notadamente na Península Ibérica. De lá expulsos, deixaram impressionantes marcas de uma cultura esplendorosa que uniu valores do Ocidente aos do Oriente.

Isto tudo foi esquecido e o cristianismo ocidental, de amplo uso político, dividiu o mundo entre contrários absolutos que navegaram até chegar no tempo presente. As manipulações político-religiosas serviram para as conquistas coloniais e para a justificação da dominação extrema de parcelas significativas da humanidade. Nelas, os nativos das Américas foram incluídos como os novos deserdados da Terra, estando em posição similar dos antigos inimigos da ordem ocidental. Os africanos, transformados em escravos durante mais do que 400 anos. O escravismo foi uma das mais significativas bases da acumulação de capitais. Esta possibilitou o surgimento da era industrial e do capitalismo moderno.

Hoje, o neocolonialismo coloca árabes, latino-americanos, africanos e asiáticos como fornecedores de matérias primas e mão-de-obra barata que alimentam as fornalhas do desenvolvimento industrial e da ordem econômica contemporânea. Ser branco, cristão e de origem européia foi, e continua sendo, um pré-requisito para dominar e se dizer que se tem a verdade inquestionável dos ‘eleitos’ como os donos do mundo. Estes são os que têm maior poder econômico e militar. São os que podem manipular, torcer a história e conduzir o desastre da guerra. Quem ousar se confrontar, mesmo que apenas no plano das idéias, estará sempre correndo o risco de ser esmagado.

A geografia humana atual da religião de Maomé é muito vasta indo do mundo árabe, onde nasceu no norte da África, subindo em direção ao que se chamava de Oriente Próximo e descendo até a África Central. A presença desta religião nestas vastas áreas testemunha o velho esplendor da cultura árabe que se expandiu a partir do século VII e eclipsou-se paulatinamente desde o século XII. O velho poder do Islão medieval não mais existe. Os países islâmicos são também nações com muitos problemas políticos, sociais e muita riqueza material, sobretudo o petróleo, amplamente exploradas pelo mundo ocidental.

A desigualdade social e a existência de modos de produção primitivos também marcam os países islâmicos. A existência de costumes bárbaros usados de modo aberto é um fato fortemente explorado pelas grandes mídias. Hipocritamente, o mundo ocidental ‘esquece’ que, apesar do seu amplo desenvolvimento econômico e cultural, a barbárie não foi erradicada e que parcelas expressivas da população a enfrentam em seu cotidiano. A presença de regimes ditatoriais, teocráticos e principescos é outra das características inegáveis dos países onde a fé em Maomé é hegemônica. A propaganda ocidental também ‘esquece’ que estes regimes são apoiados pelas nações mais ricas, quando isto lhes convêm. Não há nenhum interesse em lembrar a densa e trágica história de lutas internas contrárias aos regimes de força.

Não há nenhum registro de que as invasões e as pressões econômico-diplomáticas e militares ocidentais tenham contribuído para melhorar a situação de nenhum destes países. Ao contrário, estas pressões reforçaram o espírito teocrático que preside a vida em alguns destes países. Tem sido responsável pelo desenvolvimento do chamado fundamentalismo islâmico que prega uma luta sem tréguas ou limites éticos contra o Ocidente. Este movimento é minoritário e não pode ser confundido com a religião de paz e de auto-reflexão baseada em Maomé. Só ganhou visibilidade, após a tragédia de 2001 e das subseqüentes.

Outro problema é que os países islâmicos fazem parte do conjunto de nações que exportam seus filhos à busca de trabalho e de melhores dias. Por isso, a religião de Maomé está em toda parte do planeta e seu ciclo de expansão está longe de ter terminado. Estes imigrantes vão, principalmente, para suas ex-metrópoles, já que seus países foram colônias por décadas ou ainda funcionam como protetorados ou ‘quintais’ de alguns países ricos. Concentram-se maciçamente na América do Norte e na Europa Ocidental. Levam com eles sua religião, bem como, a perplexidade de ver seus países de origem sob forte pressão. Alguns poucos destes filhos da imigração aceitam as teses do fundamentalismo e se engajam em ações diretas. Eles dizem que agem em nome de Alá. Na verdade, suas razões são políticas e passam longe de problemas teológicos.

Do ponto de vista dos direitos humanos, o princípio de que todos são culpados e devem pagar é inaceitável. Não é exagero chamar estes movimentos de fascistas. Mas, isto também deveria valer para os que eliminaram mais de um milhão de iraquianos nos últimos cinco anos, em sua maioria, civis. O correto é que a mesma idéia fosse aplicada aos que matam para impor seu poder, atingindo, quase em todos os casos, a quem está no seu país, trabalhando ou simplesmente se transferindo de um lugar para o outro. Não há uma escala de valores defensável que diga que a vida de um muçulmano valha menos do que a de um ocidental.


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A desuniversidade - 25/08/2010

O projeto de reforma da universidade européia corre o risco de virar uma contra-reforma. Caso isso ocorra, os critérios de mercantilização reduzirão o valor das áreas de conhecimento ao seu preço de mercado e o latim, a poesia ou a filosofia só serão mantidos se algum macdonald informático vir neles utilidade.

Boaventura de Sousa Santos

O processo de Bolonha — a unificação dos sistemas universitários europeus com vista a criar uma área europeia de educação superior — tem sido visto como a grande oportunidade para realizar a reforma da universidade europeia. Penso, no entanto, que os universitários europeus terão de enfrentar a seguinte questão: o processo de Bolonha é uma reforma ou uma contra-reforma? A reforma é a transformação da universidade que a
prepare para responder criativamente aos desafios do século XXI, em cuja definição ela ativamente participa. A contra-reforma é a imposição à universidade de desafios que legitimam a sua total descaracterização, sob o pretexto da reforma. A questão não tem, por agora, resposta, pois está tudo em aberto. Há, no entanto, sinais perturbadores de que as forças da contra-reforma podem vir a prevalecer. Se tal acontecer, o cenário distópico terá os seguintes contornos.

Agora que a crise financeira permitiu ver os perigos de criar uma moeda única sem unificar as políticas públicas, a política fiscal e os orçamentos do Estado, pode suceder que, a prazo, o processo de Bolonha se transforme no euro das universidades europeias. As consequências previsíveis serão estas: abandonam-se os princípios do internacionalismo universitário solidário e do respeito pela diversidade cultural e institucional em nome da eficiência do mercado universitário europeu e da competitividade; as
universidades mais débeis (concentradas nos países mais débeis) são lançadas pelas agências de rating universitário no caixote do lixo do ranking, tão supostamente rigoroso quanto realmente arbitrário e subjetivo, e sofrerão as consequências do desinvestimento público acelerado; muitas universidades encerrarão e, tal como já está a acontecer a outros níveis de ensino, os estudantes e seus pais vaguearão pelos países em busca da melhor ratio qualidade/preço, tal como já fazem nos
centros comerciais em que as universidades entretanto se terão
transformado.

O impacto interno será avassalador: a relação investigação/docência, tão proclamada por Bolonha, será o paraíso para as universidades no topo do ranking (uma pequeníssima minoria) e o inferno para a esmagadora maioria das universidades e universitários. Os critérios de mercantilização reduzirão o valor das diferentes áreas de conhecimento ao seu preço de mercado e o
latim, a poesia ou a filosofia só serão mantidos se algum macdonald informático vir neles utilidade.

Os gestores universitários serão os primeiros a interiorizar a orgia classificatória, objetivomaníaca e indicemaníaca; tornar-se-ão exímios em criar receitas próprias por expropriação das famílias ou pilhagem do descanso e da vida pessoal dos docentes, exercendo toda a sua criatividade na destruição da criatividade e da diversidade universitárias, normalizando tudo o que é normalizável e destruindo tudo o que o não é.

Os professores serão proletarizados por aquilo de que supostamente são donos — o ensino, a avaliação e a investigação — zombies de formulários, objetivos, avaliações impecáveis no rigor formal e necessariamente fraudulentas na substância, workpackages, deliverables, milestones, negócios de citação recíproca para melhorar os índices, comparações entre o publicas-onde-não-me-interessa-o-quê, carreiras imaginadas como exaltantes e sempre paradas nos andares de baixo. Os estudantes serão donos da sua aprendizagem e do seu endividamento para o resto da vida, em permanente deslize da cultura estudantil para cultura do consumo estudantil, autônomos nas escolhas de que não conhecem a lógica nem os limites, personalizadamente orientados para as saídas do desemprego profissional.

O serviço da educação terciária estará finalmente liberalizado e conforme às regras da Organização Mundial do Comércio. Nada disto tem de acontecer, mas para que não aconteça é necessário que os universitários e as forças políticas para quem esta nova normalidade é uma monstruosidade definam o que tem de ser feito e se organizem eficazmente para que seja feito. Será o tema da próxima crônica.


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Falta futuro para os barões da mídia - 25/08/2010

Percebe-se pela postura adotada, seja nas páginas de seus veículos ou no congresso da ANJ, que os barões da mídia no Brasil, acossados em seu próprio domínio, começam a atirar para todos os lados em uma clara demonstração de que não sabem mais para onde ir.

Maurício Thuswohl

Realizado nos dias 19 e 20 de agosto, o 8º Congresso Brasileiro de Jornais foi revelador do momento pelo qual passam os principais conglomerados de comunicação no Brasil. A começar pelo próprio tema, “Jornalismo e Democracia na Era Digital”, o evento organizado pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) no Rio de Janeiro foi uma prova viva de que as poucas famílias que controlam os principais jornais do país vêm tendo muitos motivos para se preocupar desde que as novas mídias eletrônicas entraram em cena.

O principal tema de discussão entre os cerca de 700 empresários e profissionais do setor foi a gratuidade do conteúdo jornalístico na internet, curiosamente considerada por muitos dos presentes como “um entrave à democracia”. A própria ANJ, no texto de abertura do congresso, já antecipava sua posição a esse respeito: “O bom jornalismo, que difunde as informações de credibilidade e as opiniões que os cidadãos necessitam para fazer as suas escolhas, resulta de investimentos e deve ser adequadamente remunerado”.

Não é à toa que, este ano, a maior estrela do congresso organizado pelos donos da mídia no Brasil foi o jornalista Robert Thomsom, editor do Wall Street Journal. O jornal dos Estados Unidos se tornou o case de maior sucesso em termos de venda de conteúdo pago via internet. Durante sua palestra, o “guru” não decepcionou: “Precisamos urgentemente voltar ao que era antes. Voltar ao básico, em que as pessoas apreciam o conteúdo jornalístico o suficiente para pagar por ele”, disse.

Outras questões debatidas no congresso foram o fim da Lei de Imprensa e o fim da obrigatoriedade do diploma universitário para o exercício da função de jornalista, destacados como “importantes avanços” pela presidente da ANJ, Judith Brito, que também é diretora-superintendente do Grupo Folha.

Única novidade do congresso, a ANJ apresentou um plano de autorregulamentação do setor, a partir da criação de um conselho dentro da própria associação. A idéia, no entanto, não conta com o entusiasmo sequer do vice-presidente da ANJ, e também vice-presidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho: “A autorregulamentação é um princípio muito bom, mas a atividade jornalística é carregada de subjetividades”, disse.

“Perigo na AL”
O grande momento do congresso, no entanto, foi o painel “O Futuro da Democracia e o Jornalismo”, que reuniu o diretor de redação da Folha de SP, Otávio Frias Filho, e o sociólogo e professor da USP Demétrio Magnoli, um daqueles intelectuais que, segundo a ANJ, “difunde as opiniões que os cidadãos necessitam”. Neste debate, a sociedade brasileira foi alertada para o perigo que constitui “a formação de joint-ventures entre companhias de telecomunicação e governos populistas” para controlar a difusão de informações: “Tal perigo ronda, em especial, a América Latina”, afirmou Magnoli.

O sábio neoliberal disse mais: “Vem sendo difundida a teoria de que os jornais são como partidos que fazem parte de um jogo político. Ela surge numa época em que volta a idéia de que o Estado deve falar diretamente às pessoas, evitando a mediação. Essa teoria política dá base a um projeto de jornalismo estatal em curso na América Latina, buscando criar uma imprensa alternativa, principalmente nos meios eletrônicos”.

Frias, por sua vez, estendeu a outros continentes o leque de culpados pela “guinada antidemocrática” no jornalismo mundial: “Vladimir Putin, Ahmadinejad, Chávez, Rafael Corrêa e Evo Morales representam uma erupção de governantes autoritários e populistas que, embora mantendo a aparência de democracia, manietam os poderes Judiciário e Legislativo, além de buscar controlar a imprensa”, disse.

“Conferencismo”
Os candidatos à Presidência Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) passaram, em momentos diferentes, pelo 8º Congresso Brasileiro de Jornais. Os três presidenciáveis ratificaram a Declaração de Chapultepec, documento firmado em 1994 no México durante uma conferência hemisférica sobre liberdade de imprensa organizada pelos grandes empresários do setor.

Curiosamente, no mesmo dia em que passou pelo congresso da ANJ, Serra deu declarações públicas acusando o governo Lula: “Nos últimos anos, têm havido diversas tentativas de cercear a liberdade de imprensa no Brasil”, disse o tucano, que também fez críticas à 1ª Conferência Nacional de Comunicação, classificada como “parte de um processo de conferencismo pago com o dinheiro público”.

Em resposta a Serra, o ministro Franklin Martins divulgou uma nota pública na qual afirmou que o tucano “faz uma acusação grave e descabida” ao governo: “A imprensa no Brasil é livre. Ela apura - e deixa de apurar - o que quer e publica - e deixa de publicar - o que deseja. Opina - e deixa de opinar - sobre o que bem entende. Todos os brasileiros sabem disso. Diariamente, lêem jornais, ouvem noticiários de rádio e assistem a telejornais que divulgam críticas, procedentes ou não, ao governo. Jornalistas e veículos de imprensa jamais foram incomodados por qualquer tipo de repressão ou represália”, diz a nota.

Orquestra
Os ataques orquestrados ao governo e aos “inimigos da liberdade de imprensa” continuaram nestes últimos dias nos maiores jornais do país com a cobertura do XVI Encontro do Foro de São Paulo, evento do qual participam 54 organizações políticas de esquerda da América Latina e do Caribe. Fazendo referência ao documento final do encontro, que pede a democratização dos meio de comunicação, o jornal O Globo publicou matéria com o singelo título “PT e grupo da AL apóiam controle da mídia”.

Percebe-se pela postura adotada, seja nas páginas de seus veículos ou no congresso da ANJ, que os barões da mídia no Brasil, acossados em seu próprio domínio, começam a atirar para todos os lados em uma clara demonstração de que não sabem mais para onde ir. Qualquer semelhança com a campanha do candidato a presidente por eles apoiado não é mera coincidência. E pensar que, logo após o congresso da ANJ, foi realizado em São Paulo o 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, que reuniu cerca de 300 blogueiros em defesa da liberdade de expressão, da democratização da comunicação e da universalização da banda larga no Brasil. Como se vê, apesar das preocupações conservadoras, ninguém pode deter o futuro.


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Jornal questiona se China é parceira ou 'saqueadora' do Brasil

O jornal britânico The Guardian destaca em sua edição desta quinta-feira a construção de um enorme complexo portuário e industrial na costa do estado do Rio de Janeiro, apelidado de "Estrada para a China", e questiona se o gigante asiático é um "parceiro" ou um "saqueador" do Brasil.

"Milhares de toneladas de minério de ferro, grãos, soja e milhões de barris de petróleo devem passar pela 'estrada' a cada ano em seu caminho para o Oriente, onde eles irão aliviar a aparentemente insaciável sede da China por recursos naturais", diz o Guardian.

Neocolonialismo

Na reportagem intitulada "Parceiro ou saqueador?", o jornal afirma que investimentos como o Super Porto do Açu garantiriam o acesso a recursos naturais fundamentais do Brasil.

No texto, o complexo de mais de R$ 4 bilhões e com área equivalente a 12 mil campos de futebol é descrito como "uma nova fase nas relações entre Brasil e China" pelo secretário de desenvolvimento econômico do Rio, Júlio Bueno.

Mas o jornal diz também que a obra está gerando protestos dos que vêem a presença chinesa como neocolonialismo. O economista Delfim Netto é citado na reportagem, com uma declaração em que afirma que é um "erro grave" permitir que um país estrangeiro compre terras, minerais e recursos naturais do Brasil.

O empresário por trás do super porto, Eike Batista, rechaça as críticas ao crescente volume de investimentos chineses no país em entrevista ao jornal britânico.

"A associação entre Brasil e China é uma estrada de mão dupla", disse Batista ao Guardian.

"Se você quer três toneladas de minério de ferro bruto, você produz uma tonelada de aço no Brasil." "Essa filosofia está ganhando reconhecimento e é ótima para ambos os lados", defendeu o empresário, que é o homem mais rico do país.

Petrobras

O interesse chinês no Brasil também é assunto de uma reportagem do Financial Times nesta quinta-feira, que diz que investidores do país asiático estão analisando com interesse especial uma oferta de ações da Petrobras.

O FT fala dos "sólidos laços econômicos" estabelecidos entre os dois países nos últimos anos e destaca que a China considera o acesso a petróleo e gás uma questão de segurança nacional, já que o país é o segundo maior consumidor do mundo e produz menos da metade do que precisa.

Segundo o jornal, "as grandes empresas de petróleo chinesas estariam interessadas principalmente em investimentos não-operacionais em alguns dos campos de pré-sal brasileiros, o que poderia ajudá-las a ganhar experiência de operação em situações tecnicamente complexas".

http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2010/09/16/jornal-questiona-se-china-e-parceira-ou-saqueadora-do-brasil.jhtm

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Grande mídia planeja a "Venezuelização" do Brasil - 18/09/2010

Alguns dos principais jornais do país estão, há algumas semanas, trabalhando diariamente para imputar ao Presidente Lula a pecha de “ditador” e qualificar a eventual vitoria de Dilma como uma ameaça à democracia. Foi o próprio Serra quem retomou o termo “República Sindicalista”, em reunião com militares no Rio de Janeiro. Agora, o remake de uma antiga propaganda de um periódico de São Paulo insinua comparações entre Lula e Hitler (sic), numa ignóbil peça publicitária que insulta a inteligência dos brasileiros. Cabe lembrar que, no sombrio despertar das ditaduras latino-americanas, golpistas jamais aplicam "golpes". Na pior das hipóteses adotam "medidas extremas para salvar a democracia". O artigo é de Vinicus Wu.

Vinicius Wu

“Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos“

Trecho do Editorial de “O Globo” de 1 de abril de 1964.

No sombrio despertar das ditaduras latino-americanas, ditadores jamais se apresentaram enquanto tal. Golpistas jamais aplicam “golpes”. Na pior das hipóteses adotam “medidas extremas” para salvaguardar a democracia, a liberdade e, em casos mais graves, o “sagrado” direito à propriedade. Esta foi uma das “inovações” mais bizarras das ditaduras que emergiram no contexto da guerra-fria. Não é por acaso que até hoje, nos círculos saudosistas do regime militar, o golpe que depôs o Presidente eleito João Goulart seja saudado como “Revolução Redentora”.

De acordo com esta narrativa, as prisões, as torturas, o silêncio imposto à livre manifestação do pensamento e a perseguição política não foram mais do que gestos em defesa da “liberdade”. Até aí nada de novo. Porém, deve causar inquietação entre as forças democráticas no Brasil de hoje o ressurgimento desta retórica com uma força perturbadora ao longo das ultimas semanas.

Alguns dos principais jornais do país estão, há algumas semanas, trabalhando diariamente para imputar ao Presidente Lula a pecha de “ditador” e qualificar a eventual vitoria de Dilma como uma ameaça à democracia.

Foi o próprio Serra quem retomou o termo “República Sindicalista”, em reunião com militares no Rio de Janeiro. Agora, o remake de uma antiga propaganda de um periódico de São Paulo insinua comparações entre Lula e Hitler (sic), numa ignóbil peça publicitária que insulta a inteligência dos brasileiros.

Justiça seja feita a um dos mais erráticos colunistas do jornal O Globo, que há alguns dias foi quem lançou a moda de comparar o presidente mais popular da história do país, eleito e reeleito pelo voto direto, ao líder nazista. O mesmo colunista andou reproduzindo um artigo denominado “A solução final” (sic), no qual era apresentada uma tosca análise de um recente pronunciamento do Presidente Lula.

É sim preocupante o movimento, pois, embora não tenha força social e condições políticas de se transformar em um novo golpe, contribui para a emergência de um clima de recrudescimento da luta política no país, que pode ter graves conseqüências para a democracia e um desfecho imprevisível nos próximos anos.

Na verdade, o que buscam é a “venezuelização” do país. Ou seja, trabalham abertamente para a criação de um ambiente político de instabilidade permanente, fragilização das instituições democráticas e deslegitimação do voto popular.

O que está em jogo é o cenário em que se dará a luta política no país no próximo período.

Diante do fato de que a eleição de Dilma parece ter-se tornado um acontecimento praticamente irreversível, a questão passa a ser a definição do cenário em que se dará a luta política ao longo de um eventual governo Dilma. Pretendem inaugurar um ambiente de “crise permanente”, de confronto político aberto entre posições irredutíveis.

A comparação com a Venezuela é inevitável. Afinal, muito se fala por aqui dos erros de Hugo Chávez (em grande medida reais). No entanto, pouco é dito a respeito do comportamento golpista, desrespeitoso e grotesco dos grandes conglomerados de comunicação venezuelanos, que frequentemente chamam o presidente do país de “macaquito”.

Em seu renitente cinismo, os grandes monopólios da comunicação brasileiros alertavam para o “risco” da importação do chavismo por Lula. Agora passam, de fato, a incentivar a “Venezuelização” do Brasil, importando um comportamento golpista e irresponsável, característico da grande mídia venezuelana.

Já que não conseguem derrotar Lula trabalham para criar um ambiente de enfraquecimento da autoridade e da legitimidade social e política daquela que deve ser a próxima presidente do país.

A vitória do amplo diálogo social inaugurado por Lula – um dos elementos chave do sucesso de seu governo – conta com a aversão de determinados setores da grande mídia, que perceberam a centralidade de combater o novo “pacto” social - inaugurado por Lula - em sua estratégia de derrotar o PT a qualquer custo.

À época de Goulart a deslegitimação da democracia fundava-se no argumento de que a fraqueza da democracia estava permitindo a “bolchevização” do país, através da supostas concessões que o governo Goulart fazia ao PCB.

Na época atual, os esforços em favor da mesma deslegitimação visam atingir diretamente a figura do Presidente, identificando-o com o autoritarismo, o paternalismo e o clientelismo. Um grau de irresponsabilidade só compreensível face à enormidade do preconceito que lhes move.

Uma imprensa capaz de comparar um presidente democrata e com enorme popularidade ao criador de uma das maiores tragédias do século XX só pode mesmo estar disposta a tudo para fazer prevalecer sua visão de “democracia”. Estejamos atentos.

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16972

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Contra os três grandes monopólios: do dinheiro, da terra, da palavra - 19/09/2010

Três grandes monopólios articulam as estruturas de poder das minorias na nossa sociedade e tem que ser quebrados, para que possamos seguir avançando na construção de uma sociedade econômica, social, política e culturalmente democrática.

O primeiro é o poder do dinheiro, monopolizado nas mãos de algumas instituições financeiras, nacionais e estrangeiras, que se apropriam dele para multiplicar seus lucros especulativos. As altas taxas de juros, o Banco Central independente de fato, contribuem para a manutenção e incremento desse monopólio, ao invés de colocar os recursos financeiros a serviço do desenvolvimento econômico e social de todo o país.

O segundo grande monopólio é o da terra, nas mãos de elites minoritárias que a exploram, por exemplo, sob forma de agronegócios de exportação de soja, com transgênicos, concentrando ainda mais a terra em poucas mãos, deteriorando as condições de cultivo, enquanto outros simplesmente mantém latifúndios improdutivos e uma grande massa de trabalhadores continua sem terra e não temos autosuficiência alimentar. É preciso democratizar o acesso à terra, gerar empregos e alimentos para o mercado interno, o que é feito pela pequena e média empresa.

O terceiro é o monopólio da palavra, exercido pelas famílias proprietárias da velha imprensa, que dirigem empresas sem nenhuma democracia, financiada pelas agências de publicidade e as grandes empresas que colocam anuncio nesses órgãos.

São três grandes monopólios privados, que resistem ao imenso processo de democratização em curso na sociedade brasileira. Esses monopólios têm que ser rompidos, com a democratização do uso dos recursos financeiros, da terra e dos meios de comunicação, para que o Brasil se torne, definitivamente, uma sociedade democrática.

http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=544

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O aniversário da sexagenária televisão brasileira - 19/09/2010

Um dos barões da mídia, dono de uma emissora, disse certa vez que dava ao povo o que ele gosta: o lixo. A formulação correta seria a de se perceber que este lixo de inspiração fascista foi tão banalizado que acabou corrompendo amplas faixas do público televisivo.

Luís Carlos Lopes

Não há muito o que comemorar dos sessenta anos da televisão brasileira. Isto se o considerado for a qualidade social, cultural e científica da maioria dos programas e a contribuição das emissões para o progresso intelectual das maiorias. Entretanto, há pelo menos quarenta anos este meio técnico de comunicação é o mais visto, o mais poderoso politicamente e o mais bem-sucedido economicamente, dentre os demais. Seu enorme sucesso está relacionado ao obscurantismo do tempo da ditadura militar e isto jamais poderá ser apagado. Marcada por isso, ela sobreviveu e se desenvolveu ainda mais nos últimos vinte anos.

Paradoxalmente, quanto maior se tornou, menos se cuidou de sua importância como agente cultural e educativo. As lógicas do entretenimento e da manipulação política e social cresceram enormemente com o passar dos anos. Pouco restou de qualquer função responsável pela possibilidade de contribuir na direção de dar acesso às maiorias as conquistas das artes e das ciências. Hoje, a televisão brasileira ostenta a posição de ser a mais importante referência popular no que se refere à formação dos sensos comuns e ao reforço das ancestrais tradições. Em outras palavras, ela dialoga com todos, fazendo circular no tecido social versões midiáticas de preconceitos e lugares comuns há muito acalentados. Sua função, de acordo com o modelo existente, situa-se muito mais na esfera da circulação do que na de produção de idéias.

Isto tudo não pode ser creditado ao meio, como, no passado, já se pensou. Vez por outra, aparecem no Brasil emissões que contestam o grotesco mercantil habitual. Estas demonstram que é possível uma televisão de qualidade, vinculada ao que há de melhor no conhecimento humano. Existem no mundo mil e uma experiências de emissões que dignificam o uso deste meio técnico de comunicação. O problema não é o meio, não é a técnica e não está necessariamente nos profissionais que lá trabalham. A questão é política. As empresas têm interesses a defender. Possuem aliados e servem, igualmente, a outros interesses empresariais e políticos. O que acaba prevalecendo, é a defesa que interessa ao campo de poder das empresas de televisão.

Este meio de comunicação transformou-se em um dos principais negócios do capitalismo do país. Estendeu-se por todo o território nacional, veiculando imagens, vozes e outros sons em escala nacional. Testemunhou e ao mesmo tempo omitiu vários aspectos dos principais fatos históricos ocorridos no período. Difundiu o fundamental do que se chama de cultura das mídias para a maioria da população, chegando, atualmente, a mais de 97% dos lares brasileiros. Através das suas telas, o brasileiro vê o mundo exterior e vê-se a si próprio, retratados de acordo com os filtros e pontos de vista acreditados pelos responsáveis das emissões. Continua sendo uma espécie de janela viva do que se passa aqui e por toda parte. Obviamente, o teatro de luzes e sons do passado e do presente vem obedecendo aos interesses dos sujeitos sociais que a comandam.

O projeto da televisão brasileira nasceu e permaneceu como fundamentalmente privado. Quase todas as emissoras pertencem a famílias que já estão, em alguns casos, na segunda ou terceira geração na posse das mesmas redes. O reino destas empresas é hereditário e o modelo empresarial é antiquado, remetendo às empresas do capitalismo anterior às sociedades anônimas. Elas possuem donos ou prepostos que as administram como bens de família. Nem tudo foi fácil na evolução histórica das empresas privadas. Algumas faliram ou foram assimiladas por outras, pelas mais diversas razões. O investimento externo é famoso no caso da mais importante das redes. Entretanto, o capital acumulado é principalmente local. Os projetos das emissoras públicas, até hoje, não conseguiram decolar, ficando com um pequeno nicho da audiência nacional. Porém, nelas há a garantia de melhor qualidade e a possibilidade de avanços serem obtidos.

A origem econômica das passadas e atuais redes brasileiras relaciona-se, principalmente, com o sucesso das empresas jornalísticas no Brasil do pós-Segunda Grande Guerra. O capital acumulado, que permitiu que elas existissem, veio da atividade de se produzir e se vender jornais, revistas e, secundariamente, livros. As empresas de televisão ‘engordaram’ rapidamente com os elevados lucros vindos da publicidade. Por isso, não é exagero dizer que elas cresceram como um subproduto do desenvolvimento do capitalismo no país e no exterior, bem como o grande crescimento do Estado no último meio século. O custeio das empresas e seus lucros abissais foram divididos meio a meio entre a propaganda governamental e a publicidade privada.

Ainda hoje, as empresas privadas são sustentadas pelos anúncios feitos pelas várias instâncias governamentais e pelas empresas que levam ao grande público seus produtos destinados às várias faixas de consumo da população. A televisão vende sabão em pó, automóveis, serviços bancários e uma miríade de outros objetos e serviços que sustentam a economia nacional. O que aparece nela facilmente se populariza. Os anunciantes não deixam, por isso, de pagar as altas somas pedidas pelas empresas que cobram por segundo de exibição. Nos preços do que é anunciado e consumido pelo público está contido o que a empresa contratante paga pela divulgação. Parte dos impostos governamentais transforma-se em dinheiro pago a estas empresas.

O negócio da televisão invadiu outras searas da comunicação nacional e das artes aqui praticadas. As indústrias fonográfica e cinematográfica tornaram-se capítulos das redes. As artes cênicas, a indústria da Internet, do jornalismo impresso, dentre outras, têm forte ligações com as mesmas redes. A propaganda política eleitoral mais ou menos gratuita tem nelas o seu canal mais poderoso de difusão. O fenômeno das igrejas eletrônicas encontrou neste meio de comunicação uma alavanca fantástica de manutenção e/ou de expansão. As empresas de televisão não são tudo, mas estão no centro da vida nacional. Nada indica, até o atual momento, que isto está para mudar.

A recente presença da televisão por assinatura, fortemente ligada, as velhas redes, pouco alterou a rotina das emissões. As principais mudanças foram: o aumento da difusão dos famosos “enlatados”, isto é, as séries e os filmes da indústria cultural que povoam os novos canais; a expansão de um telejornalismo destinado a vários públicos específicos das elites; o crescimento de uma programação de interesse segmentado das classes médias para cima; o aparecimento dos canais estrangeiros com programação na língua original.

A influência destas novidades na televisão aberta existe, porém, não foi capaz de mudar o sentido desta de produzir sistematicamente o denominado grotesco mercantil. Este empurra goela abaixo do grande público o “mondo cane”, como se a realidade humana fosse apenas a tragédia, a boçalidade e a incapacidade de se compreender o entorno social. Outra vertente, barroca, é de tentar convencer a todos que se vive em um mundo perfeito, onde o bem e o mal se digladiam. Neste, o mal sempre é derrotado e todos seres humanos flutuam entre a Lua e a Terra, jamais tocando o solo e as verdades da vida.

Um dos barões, donos de emissora, disse certa vez que dava ao povo o que ele gosta: o lixo. A formulação correta seria a de se perceber que este lixo de inspiração fascista foi tão banalizado que acabou corrompendo amplas faixas do público televisivo. De tanto vê-lo, muitos pensam que é natural e que nada pode ser feito. Depois de tantas décadas, é difícil convencer que é possível se fazer uma televisão que respeite os direitos humanos e, sobretudo, abra espaço para o saber artístico e científico. Confundiu-se o popular com o popularesco, a arte com o pastiche e o preconceito, as ciências com o misticismo e a impossibilidade de se pensar a realidade envolvente.

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A crise da dívida: Como o Brasil pode se defender da financeirização

Enviado por Luiz Lima, dom, 19/09/2010

Amig@s,

tomo a liberdade de reproduzir a tradução ao português - publicada em resistir.info - da conferência proferida por Michael Hudson no Seminário Internacional sobre Governança Global, promovido pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social em Brasília, no último dia 16. Recomendo - e muito - a leitura.

Há outras excelentes apresentações no sítio do Seminário, cuja ligação dei acima.

Brasilia, 17/Setembro/2010

O modo de integração global pós-1945 viveu para além da sua promessa inicial. Tornou-se explorador ao invés de apoiar o investimento em capital, infraestrutura pública e padrões de vida.

Na esfera do comércio, os países precisam reconstruir a sua auto-suficiência em cereais alimentares e outras necessidades básicas. Na esfera financeira, a capacidade dos bancos para criar crédito (empréstimos) a quase nenhum custo nos teclados dos computadores levou a América do Norte e a Europa a tornarem-se infestadas por dívida e agora procuram entrar no Brasil e outros países BRIC através do financiamento de compras de empresas (buyouts) ou efectuando empréstimos contra os seus recursos naturais, imobiliário, infraestrutura básica e indústria. Especuladores, árbitros e instituições financeiras utilizando "dinheiro gratuito" vêm estas economias como escolhas fáceis. Mas ao obrigarem países a defenderem-se financeiramente, a sua criação predatória de crédito está a acabar a era dos movimentos livres de capital.

Será que o Brasil realmente precisa de entradas de crédito externo para a despesa interna quanto pode criar isto em casa? Empréstimos estrangeiros acabam no seu banco central, o qual investe as suas reservas em títulos do Tesouro dos EUA e em euro que rendem baixos retornos e cujo valor internacional é provável que decline contra as divisas dos BRIC. Assim, aceitar do Norte crédito e "entradas de capital" para compra de empresas proporciona um "almoço gratuito" para os emissores das divisas chave, dólares e euros, mas não ajuda muito as economias locais.

Gostaria de colocar o tema deste seminário, "Governação global", no contexto do controle global, o qual é o principal significado de "governação". A palavra (do grego kyber ) significa "pilotagem". A questão é, rumo a que objectivo está a economia mundial a ser pilotada?

Isso obviamente depende de quem está a fazer a pilotagem. Quase sempre têm sido os países mais poderosos que organizam o mundo de maneira a transferir rendimento e propriedade para si próprios. Desde o Império Romano até a Europa moderna tais transferências assumem principalmente a forma de tomada militar e tributo. Os conquistadores normandos posicionaram-se como uma aristocracia da terra extraindo renda da massa da população, tal como o fizeram os conquistadores nórdicos da França e outros países. A Europa posteriormente tomou recursos pela conquista colonial, cada vez mais através de oligarquias locais clientes.

A história natural da dívida e da financiarização

Hoje, o manobrismo financeiro e a alavancagem da dívida desempenham o papel da conquista militar nos tempos passados. O seu objectivo é ainda controlar terra, infraestrutura básica e o excedente económico – e também obter o controle das poupanças nacionais, da banca comercial e da política do banco central. Esta conquista financeira é alcançada pacificamente e mesmo voluntariamente ao invés de militarmente. Mas o objectivo é o mesmo: fazer as populações sujeitas pagarem – como devedoras e como parceiras comerciais júnior, dependentes. As endividadas "economias hospedeiras" estão numa posição semelhante à de países derrotados. Elas perdem soberania sobre a sua própria política financeira, económica e fiscal quando o seu excedente é transferido para fora. A infraestrutura pública é vendida a estrangeiros que compram-na a crédito, sobre o qual pagam juros e comissões que são consideradas como deduções fiscais, apesar de serem a estrangeiros.

O Consenso de Washington aplaude esta política pró-rentistas. A sua ideologia neoliberal sustenta que o caminho mais eficiente para a riqueza é retirar o planeamento económico das mãos do governo e transferi-lo para as dos banqueiros e administradores de dinheiro responsáveis pela privatização e financiarização da economia. Quase sem qualquer percepção, esta visão está a substituir a lei clássica dos países baseada na ideia da soberania sobre a política da dívida e financeira, a política tarifária e a fiscal. A própria ideologia tornou-se uma arma económica. Aos governos endividados tem sido dito, desde 1980, para venderem a sua infraestrutura pública a investidores estrangeiros. Encargos extractivos com "portagens" (também chamados renda económica) substituem pagamentos moderados ou subsidiados do público utilizar, tornando as economias menos competitivas e encurralando-as ainda mais no beco da dívida quando o excedente é transferido para o exterior, em grande medida livre de impostos.

O que o mundo experimenta face ao globalismo de hoje é uma crise no carácter da nacionalidade e da soberania económica. Banqueiros no Norte consideram qualquer excedente económico – renda imobiliária, fluxo de caixa corporativo ou mesmo o poder de tributação do governo ou a capacidade para vender empresas públicas – como uma fonte de receita para pagar juros sobre dívidas. O resultado é uma economia mais alavancada por dívida em todos os países. O investimento estrangeiro, o empréstimo bancário, a privatização da infraestrutura pública e especulação com divisas é agora administrado a partir da perspectiva dos banqueiros.

Há uma grande excepção quanto a ceder a política nacional ao controle estrangeiro: os próprios Estados Unidos são de longe a maior economia devedora do mundo. Enquanto mobilizam o poder do credor para forçar outros devedores a privatizarem seus sectores públicos e anuir a um proteccionismo unilateral estado-unidense, os Estados Unidos são o único país capaz de emitir a sua própria divisa (dívida do Tesouro) e crédito bancário internacional sem limites, a uma taxa de juro mais baixa do que qualquer outro país e mesmo sem quaisquer meios previsíveis para pagar.

Este duplo padrão transformou o carácter das finanças internacionais e o significado dos influxos de capital. O dinheiro já não é um activo na forma de barras de ouro ou prata que reflectem o que foi produzido pelo trabalho. O dinheiro é crédito e portanto encontra a sua contrapartida em dívida no lado do passivo do balanço. Uma vez que os Estados Unidos suspenderam a convertibilidade do dólar em ouro em 1971, o dinheiro internacional – as poupanças dos bancos centrais – assumiram a forma sobretudo de dívida do Tesouro dos EUA, isto é, empréstimos aos Estados Unidos para financiarem os seus défices gémeos da balança de pagamentos e orçamental (ambos os quais são em grande medida de carácter militar). Enquanto isso, o crédito da banca comercial interna assume a forma de dívida privada – dívida hipotecária, dívida corporativa (cada vez mais por takeovers alavancados por dívida) e mesmo empréstimos para especulação em apostas com derivativos financeiros e divisas.

Pouco crédito bancário tem ido para o financiamento de investimento tangível de capital. A maior parte de tal investimento tem sido paga a partir de rendimentos retidos de negócios, não empréstimos bancários. E os bancos e casas correctoras têm financiado takeovers, os novos compradores ou atacantes (raiders) tiveram de desviar fluxo de caixa corporativo para reembolsar os seus credores ao invés de expandir a produção. Foi assim como os EUA e outras economias tornaram-se financiarizadas e pós-industrializadas. A sua experiência deveria servir como uma lição objectiva do que o Brasil e outros países precisam evitar.

Os empréstimos da banca estado-unidense têm sido a principal dinâmica a alimentar a inflação global do imobiliário e dos preços das acções e títulos, reforçados ao longo da última década pelos empréstimos da banca europeia. O dólar a crédito (como o yen a crédito após 1990) é criado "gratuitamente" sem o constrangimento que costumava ocorrer quando fluxos de saída de capital forçavam os bancos centrais ou a elevar taxas de juro nacionais ou perder os seus stocks de ouro. De facto, qualquer economia hoje pode criar o seu próprio crédito interno nos seus próprios teclados de computador – os do seu banco central e dos seus bancos comerciais. Sob as condições de hoje, empréstimos estrangeiros não proporcionam recursos que os países hospedeiros não possam criar por si mesmos. O efeito do crédito estrangeiro quando convertido em divisa interna é meramente sugar juros e renda económica.

Não é amplamente reconhecido que a maior parte dos empréstimos da banca comercial simplesmente anexam dívida a activos existentes (acima de tudo, imobiliário e infraestrutura) ao invés de serem investidos na criação de novos meios de produção, ou para empregar trabalho, ou mesmo ganhar um lucro. Os bancos preferem emprestar contra activos já existentes – imobiliários ou companhias inteiras. De modo que a maior parte dos empréstimos bancários é utilizada para elevação de preços por activos, especialmente aqueles cujos preços espera-se ascenderem o suficiente para pagar o juro sobre o empréstimo.

O facto de banqueiros poderem criar dívida portadora de juro à vontade com pequeno custo de produção coloca a questão de se se deve deixar este almoço gratuito (renda económica) em mãos privadas ou tratar a criação de moeda como um bem público "institucional". Os economistas clássicos instavam a que tais privilégios de geração de renda fossem regulados para manter preços e rendimentos alinhados com os custos de produção necessários. O meio mais seguro para isto era manter monopólios no domínio público a fim de proporcionar serviços básicos a custo mínimo ou gratuito enquanto impostos territoriais e pagamentos do utilizador podiam servir como a fonte principal de receita pública. Este princípio foi flagrantemente violado pela prática de erigir "portagens" privatizadas que extraem receitas de rendas sem um custo de produção correspondente. Isto foi feito de um modo que beneficia apenas uns poucos selectos.

A explosão descontrolada de crédito global e de dívida – e, portanto, a pressão para liquidar monopólios naturais no domínio público – é em grande medida um resultado da explosão de crédito desencadeada após o fim da convertibilidade do ouro em 1971. Como observado acima, o subsequente padrão dos Títulos do Tesouro dos EUA deixou os bancos centrais estrangeiros sem nenhum veículo no qual manter as suas reservas internacionais excepto empréstimos ao US Treasury. Isto dá rédea solta ao défice da balança de pagamentos dos EUA, a qual traduz-se em rédea solta militar. Depois de a Guerra da Coreia ter forçado o dólar ao status do défice em 1951, os gastos militares além-mar através de toda a década de 50 e de 60 equivaleram a todo o défice de pagamentos dos EUA. O sector privado estava quase exactamente em equilíbrio durante estas décadas, ao passo que a "ajuda ao estrangeiro" dos EUA realmente gerou um excedente de balança de pagamentos, em resultado da ajuda ligada a exportações dos EUA ao invés de sê-lo às necessidade de ajuda dos países receptores.

Enquanto outros países incorrendo em défices comercial e de pagamentos devem aumentar as suas taxas de juro para estabilizar as suas divisas, os Estados Unidos reduziram as suas taxas de juro. Isto aumentou a "taxa de capitalização" das suas rendas imobiliárias e rendimentos corporativos, permitindo aos bancos emprestarem mais contra colaterais com preços mais elevados. Propriedade é valor seja o que for que os bancos emprestem contra ela, de modo que a economia dos EUA tem sido capaz de utilizar a rédea solta do padrão dólar para carregar-se a si própria com um encargo de dívida sem precedentes – um encargo que tradicionalmente foi sofrido só por países que combatem guerras no exterior ou pressionados por pagamentos de reparações. Este é o legado auto-destrutivo do padrão da Letra do Tesouro.

Isto é uma lição objectiva para o Brasil evitar. O vosso país hoje está a receber influxos na balança de pagamentos quando bancos estrangeiros e investidores criam crédito para emprestá-lo contra o vosso imobiliário, recursos naturais e indústria. O seu objectivo é obter o vosso excedente económico na forma de pagamentos de juros e rendimentos, transformando-vos numa economia de portagens rentistas.

Por que deveriam vocês precisar destes "influxos de capital" que extraem juros, rendas e lucros como retorno do "crédito de teclado de computador" que podem criar por si próprios? No mundo de hoje, nenhum país precisa de crédito do exterior para gastos em divisas internas na sua própria casa. O Brasil deveria evitar deixar credores estrangeiros capitalizarem o seu excedente económico na forma de serviço de dívida e outros pagamentos.

O caminho para evitar este destino já foi esboçado desde os fisiocratas franceses e Adam Smith até John Stuart Mill e os reformadores da Era Progressista [NT 1] . Eles recomendavam que através do fim de privilégios especiais legados pelas conquistas militares da Europa (privatização da renda da terra) e pela colecta do "almoço gratuito" do rendimento rentista como a base fiscal, esta receita podia ser salva de ser privatizada e capitalizada em empréstimos bancários. Tributar a terra e o recurso à renda reduz o custo de vida e de fazer negócios não só pela remoção do fardo fiscal sobre o trabalho e a indústria como também por manter baixos os preços da habitação e do imobiliário.

No século XIX o sistema americano de economia política estava baseado, correctamente, na percepção de que trabalho altamente pago é mais trabalho mais produtivo, assim como o trabalho bem-educado, bem alimentado e bem vestido supera o trabalho "paupérrimo". A chave para a competitividade internacional é portanto a elevação de salários e padrões de vida, não o seu rebaixamento. Isto é especialmente o caso do Brasil, dada a sua necessidade de elevar a produtividade do trabalho pela melhor educação, saúde e sistemas de apoio social se quiser prosperar independentemente no século XXI. E se for para elevar o investimento de capital e padrões de vida libertos de serviço de dívida e de preços mais elevados de habitação, o Brasil precisa impedir que o excedente da economia seja transformado num "almoço gratuito" na forma de renda da terra, renda de recursos e renda de monopólio – e salvar este excedente económico de banqueiros que procuram capitalizá-lo em pagamentos de dívida. Isto é melhor conseguido tributando o potencial rentista que transforma o excedente em encargo desnecessário.

A visão das economias pelos olhos dos banqueiros

O plano de negócios dos departamentos de marketing dos bancos é capitalizar qualquer excedente económico para o serviço de dívida. Responsáveis por empréstimos vêm qualquer fluxo de rendimento como potencialmente disponível para ser capturado como pagamentos de juros. O seu sonho de crescimento e êxito financeiro é ver todo o excedente capitalizado em serviço de dívida de empréstimos. Renda líquida imobiliária, fluxo de caixa corporativo (ebitda: earnings before interest, taxes, depreciation and amortization, rendimentos antes de juros, impostos, depreciação e amortização), rendimento pessoal acima das necessidades básicas de despesas e receitas fiscais líquidas de governo podem então ser capitalizadas à medida que os bancos concedam empréstimos. E quanto mais crédito concederem, mais elevados serão os preços para o imobiliário, as acções e os títulos.

Assim, a concessão de empréstimos da banca é aplaudida por tornar as economias mais ricas, mesmo quando famílias e negócios são sobrecarregados com cada vez mais dívida. Taxas de juro mais baixas, pagamentos iniciais mais baixos, períodos de amortização mais extensos e mesmo a concessão fraudulenta de empréstimos imprudentes aumentam portanto a "taxa de capitalização" do imobiliário e a receita dos negócios. Isto é aplaudido como "criação de riqueza" – a qual se verifica ser inflação de preços de activos alavancados por dívida que podem infectar uma economia inteira. Isto está muito distante do que Adam Smith escreveu em A riqueza das nações.

O limite desta política é atingido quando todo o excedente económico é transformado em serviço de dívida. Neste ponto, a economia está plenamente financiarizada. O rendimento gasto para pagar dívidas não está disponível para novo investimento ou gastos de consumo, de modo que a economia "real" está estrangulada pela dívida e tem de encolher.

Esta é a razão porque a recente decolagem financeira acabou num crash. Esta é a razão porque grande parte do mundo hoje está a verificar, fora do Brasil e dos demais países BRIC, que não acompanharam totalmente o caminho da financiarização neoliberal até a sua culminação em deflação da dívida e austeridade.

O Banco Mundial e o FMI não são reformáveis, porque são baseados numa filosofia económica destrutiva.

O documento CDES fala de "reformar" o FMI, o Banco Mundial e mesmo as Nações Unidas. Não acredito que esta esperança seja realista. Como analisei em Super Imperialism (1972 e 2002), o Banco Mundial e o FMI estão comprometido com uma filosofia basicamente destrutiva, sob a bandeira eufemística do "livre comércio" e de "mercados de capital livres e abertos".

No caso do desenvolvimento agrícola, o Banco Mundial está autorizado apenas a fazer empréstimos em divisa estrangeira destinado a aumentar exportações. Os seus empréstimos consequentemente têm sido para estradas e infraestrutura de exportação, não para desenvolver a economia local. O foco do Banco sobre plantações para exportação de colheitas levou à sua super-oferta global, reduzindo os termos de troca do Terceiro Mundo ao mesmo tempo que desvia os padrões agrícolas da alimentação às populações do Terceiro Mundo com colheitas internas de cereais para dependerem dos excedentes de cereais estado-unidenses e europeus – a preços elevados e com excedentes no comércio de cereais!

Este padrão comercial beneficia os países industriais exportadores de cereais enquanto conduz a periferia à dependência alimentar e à dívida – situação para a qual a palavra "interdependência" se tornou o eufemismo burocrático. Noto que esta palavra de cara sorridente – interdependência – aparece na primeira sentença da brochura desta reunião. Ela implica anuência à globalização, como se esta fosse desejável em si mesma e mutuamente benéfica para todas as partes. Mas no mundo de hoje, interdependência implica três modos de dependência: (1) dependência alimentar, (2) dependência militar e (3) dependência da dívida. O Consenso de Washington promovido pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a ajuda bilateral dos EUA reforça estes três modos de dependência, promovendo a hegemonia financeira e militar estado-unidense.

AGÊNCIAS DE CLASSIFICAÇÃO DE CRÉDITO

A resultante drenagem de pagamento a credores e a ausência de investidores nos países força venda em liquidação do seu domínio público a fim de equilibrarem os seus orçamentos. As agências de classificação de crédito ameaçam degradar países que não "cooperam" abrindo mão dos seus níveis de comando – a sua infraestrutura básica, juntamente com a sua terra, água e outros recursos naturais – a preços vis. Classificações de crédito mais baixas ameaçam forçar estes países a pagarem juros muito mais altos. Este sistema captura-os na armadilha de deixar os privatizadores extraírem renda económica.

Desde cerca de 1950 até 1980, o Banco Mundial e consórcios da banca comercial emprestaram dinheiro a governo para instalarem a sua infraestrutura básica. Agora que estes empréstimos estão liquidados, os bancos estão a emprestar outra vez para compradores privados destes activos. Os novos proprietários esperam sem dúvida erguer portagens sobre esta infraestrutura até agora pública – e a "despesa" da sua receita na forma de juros fiscalmente dedutíveis, encargos de subscrição, altas taxas de administração e outros "custos de produção" em grande medida fictícios. A ortodoxia da contabilidade globalizada permite a investidores estrangeiros transferirem as receitas cobradas aos utilizadores e outras rendas económicas para fora do país, sem impostos. Isto conduz as economias hospedeiras, mais uma vez, ao défice da balança de pagamento, levando a ainda mais liquidações e mesmo a drásticos descontos com preços de desespero.

A reforma fiscal e financeira deve andar a par para criar crescimento mais estável

O documento para esta conferência refere-se ao crescimento da população do Terceiro Mundo como estando a afectar a "importância relativa dos países desenvolvidos". Em tempos passados, população significava uma vantagem militar, bem como oferta de trabalho para a produção. Mas as finanças exercem hoje controle dominante. Os países principais estão desejosos de ver o Brasil e outros países BRIC crescerem e exportarem suficientes bens de trabalho intensivo e matérias-primas para pagarem o crescimento das suas dívidas. O que querem os interesses rentistas é o excedente económico, na forma de serviço de dívida (juros, amortizações e taxas) e rendas de monopólio na forma de encargos de portagem de estradas e outras infraestruturas públicas que estão a ser privatizadas. Eles aumentam ainda mais o estrago pedindo aos governos que se coíbam de tributar estas conquistas, através da permissão de que os juros e outros encargos tecnologicamente desnecessários sejam fiscalmente dedutíveis. Uma ilusão de não-lucro (e portanto, não tributável) do negócio é dada também seguindo a pretensão contabilística de preços de transferência ficticiamente baixos nas exportações.

Os contabilistas corporativos quantificam estes estratagemas tendo em vista deixar pouco rendimento líquido para ser relatado e tributado. Sob este mapa falso da realidade económica, aparentemente as estatísticas empíricas servem principalmente para preservar a enganosa teoria económica neoliberal por trás delas. [1]

Para manter o seu monopólio da criação do dinheiro, os países credores pedem que os governos não utilizem os seus bancos centrais para fazer aquilo para que os bancos centrais de todo o mundo foram originalmente fundados: financiar défices do orçamento público pela monetização dos mesmos a fim de se tornarem a base nacional do crédito. A pretensão é de que seria inflacionário para bancos centrais financiar os défices orçamentais dos seus governos. Mas isto não é mais inflacionário do que permitir aos bancos centrais e comerciais dos Estados Unidos e da Europa criarem crédito nos seus próprios teclados de computador!

O Banco Central Europeu insiste em que os governos contraiam empréstimos só junto a bancos comerciais e outros credores do sector privado – e mesmo que agências de bancos estrangeiros em países hospedeiros possam denominar empréstimos na divisa utiliza pela sede ou em outras divisas estrangeiras. Agências de bancos suecos na Letónia e agências de bancos austríacos na Hungria fizeram assim empréstimos denominados em Euros. Os bancos do país credor podem dessa forma invadir e conquistar pela criação do seu próprio crédito electrónico local, violando a primeira directiva da administração financeira sensata: nunca denominar dívidas em divisa estrangeira hard, quando o seu rendimento é em divisa interna soft.

O pedido de que os países "equilibrem os seus orçamentos" é um eufemismo para a venda em saldo do domínio público, cortes em pensões e despesas públicas com educação, cuidados médicos e outras pré-condições básicas para elevar a produtividade do trabalho. Tal austeridade pede o oposto das políticas keynesianas seguidas pelos próprios Estados Unidos. As economias sujeitas ao Consenso de Washington caem mais e mais para trás, tornando a economia global mais polarizada e instável. O colapso do "Tigres bálticos" e de outras economias pós-soviéticas em que planeadores neoliberais tiveram liberdade de acção mostra-se uma lição objectiva de quão auto-destrutivas são estas políticas para os países que a elas se submetem.

O que é irónico é que a filosofia fiscal que favorece a alavancagem da dívida ao invés do investimento por emissão de acções está a destruir as economias credoras assim como a periferia financiarizada! Sem dúvida: Esse é o ricochete que a Europa e América do Norte estão agora a experimentar. Eles permitiram que a criação de crédito livre sujeitasse as suas próprias economias à deflação da dívida [2] – as mesmas políticas disfuncionais que arruinaram o desenvolvimento do Terceiro Mundo desde a década de 1960.

É para impedir a resultante contracção da economia "real" – e na verdade, a servidão à dívida – que sindicatos europeus estão a organizar uma greve geral em 28 de Setembro de 2010, contra planos de austeridade que reverteriam padrões de vida. O movimento do países BRIC para criar um sistema financeiro alternativo e uma filosofia de comércio e desenvolvimento por si próprios é uma reacção afim contra o impulso neo-rentista para minar a reforma económica clássica.

A importância da ideologia económica para recomeçar

Na explicação da força económica do Brasil, as suas vantagens incluem a sua população e recursos naturais, mas isto sempre existiu. O que vos torna tão atraentes hoje é que ainda não estão infestados por dívida como a América do Norte e a Europa. O vosso excedente económico ainda não está comprometido para pagar serviço de dívida, de modo que aos olhos dos banqueiros vocês ainda não chegaram ao limite superior em matéria de empréstimos.

O vosso problema económico principal é como se protegerem do crédito e da explosão de dívida que arrastou o Norte para baixo. A vossa solução deve ser seguir uma alternativa à ideologia fiscal regressiva e à privatização de monopólios naturais e de privilégios financeiros que está a ser hoje promovida pelas instituições internacionais.

Protegerem-se a si próprios exige mais do que simplesmente uma "revisão da governação global". Exige uma ruptura absoluta com o passado. A revisão tende a ser meramente marginal. Uma mudança mais estrutural é o requerido. E quando construindo um novo fundamento, é mais fácil começar de novo do que tentar modificar instituições más e treinar outra vez pessoal comprometido com as políticas disfuncionais do passado.

Um exemplo excelente disto é a política dos EUA após a sua Guerra Civil. Para desenvolver a lógica do seu programa económico, o Partido Republicano daquele tempo (não os republicanos neoliberais de hoje!) fundaram universidades estatais e business schols para ensinar a alternativa de base proteccionista e de tecnológica à doutrina do comércio livre britânica que estava a ser ensinada nas universidades mais prestigiosas tais como Harvard, Yale e Princeton. Foram estas escolas menos prestigiosas que ensinaram as doutrinas que impeliriam os Estados Unidos à liderança mundial por meio de tarifas protectoras, um banco nacional e investimento em infraestrutura pública. [3]

Comentários e recomendações sobre os quatro objectivos mencionados para discussão nesta conferência

(1) Globalização e mercados de trabalho sob a actual pressão auto-destrutiva por austeridade foram discutidos e recomendações foram dadas a cima. Sob o eufemismo de "orçamentos equilibrados", a austeridade fiscal objectiva impedir os países de criarem o seu próprio crédito público e de utilizarem o seu excedente económico para elevar padrões de vida. Sob austeridade, a receita do governo é utilizada para pagar serviço de dívida, salvar bancos e efectuar outras pagamentos de transferência ou de subsídios ao sector das finanças, seguros e imobiliário (finance, insurance and real estate, FIRE) interno e externo ao invés de gastá-lo para elevar a produtividade. Isto obviamente deveria ser evitado.

(2) Novos indicadores de desenvolvimento são realmente necessários para substituir a contabilidade do PIB com um mapa melhor e mais realista da economia. A doutrina tradicional clássica dividia as economias em duas partes: (A) o sector da produção-e-consumo que os manuais habitualmente mencionam como a economia "real" e (B) o sector extractivo FIRE. Esta dicotomia tratava a renda da terra, os juros e comissões sobre crédito bancário, as rendas de monopólios extorsivos e outros pagamentos tipo "portagem" como transferências de pagamentos, não como produto. Mas a corrente principal de hoje relativa às contas do PIB define este "rendimento imerecido" – que costumava ser encarado como encargos gerais, a preços em excesso dos seus custos de produção necessários – como reflectindo o custo e o valor do "produto", como se aquilo que os rentistas do sector FIRE cobram fosse uma parte necessária da economia. Banqueiros e rentistas têm todo o interesse em manter esta falsa dicotomia.

É como se os economistas houvessem esquecido o gracejo de Charles Baudelaire: "O diabo vence no momento em que convence o mundo de que ele realmente não existe". Em particular, o formato contabilístico do PIB rejeita a definição clássica de renda económica como o excesso de preço de mercado extraído acima dos custos necessários de produção. O resultado é um mapa de como a economia funciona na visão dos rentistas – uma visão na qual banqueiros, latifundiários e monopolistas desempenham um papel produtivo, como se todos os seus privilégios especiais e status económico favorecido fossem produtivos ao invés de extractivos.

O formato da contabilidade do PIB e do balanço nacional subestima a terra e outros recursos naturais, tratando-os como "capital" e portanto encarando a sua renda económica como "receitas", não rendimentos imerecidos. Isto promove a ilusão de o imobiliário sobe de preço do imobiliário porque edifícios de alguma forma estão a crescer em valor, apesar de serem amortizados para propósitos fiscais. Esta tendência crescente pela valorização de edifícios é a expensas do valor da terra e o quadro resultante impede uma análise precisa.

Num "erro de omissão" relacionado, os adeptos do comércio livre têm-se oposto a calcular o custo económico de recuperar a exaustão da riqueza mineral, do subsolo e de florestas da exploração privada. Tomar em conta o esgotamento do recurso, a limpeza ambiental e outros encargos de restauração reduziria os cálculos dos ganhos do comércio com os quais a teoria neoliberal do livre comércio doutrina estudantes e responsáveis públicos. Ainda mais directamente, governos têm sido persuadidos a dar uma cota de exaustão [NT2] a investidores privados por fazerem buracos no chão e deitarem florestas abaixo. Seria mais razoável para eles fazerem pagamentos para reembolsar a economia nacional que está a perder este património ou a sofrer encargos com limpeza ambiental.

Uma economia global estável precisa de um formato contabilístico que reflicta a capacidade de um país para dívidas externas. Em 1929 o Plano Young apelava a tal medida e na verdade prevenia a ruptura financeira global ao limitar os pagamentos de reparações da Alemanha no contexto do cálculo de quanto câmbio estrangeiro aquele país podia ganhar (e pagar) no decorrer do comércio normal, algo muito diferente do que simplesmente tentar pagar pela assunção de mais dívida ou venda de activos.

Quando uma economia é capaz de pagar dívidas simplesmente tomando emprestada nova moeda ou vendendo activos a saldo, as dívidas deveriam ser consideradas más e serem canceladas. Tomar emprestado o juro ou privatizar o domínio público para pagar estas dívidas não "equilíbrio" em qualquer sentido significativo. Torna-se a espécie de despojamento de activos que a Islândia e a Letónia estão agora a sofrer que países do Terceiro Mundo sofreram no fim da década de 70 e na de 80. Isto é a estrada para a servidão da dívida, o retraimento da economia e a incitação à emigração do trabalho bem como a fuga de capital.

(3) Uma política de desenvolvimento insustentável resulta directamente tanto da actual política de austeridade como do mapa da economia pró-rentista do PIB, que reflecte apenas a visão do mundo dos banqueiros. Dívidas crescendo a taxas exponenciais ("a magia do juro composto") não são sustentáveis. Tentar pagá-las aumenta o custo de vida e de fazer negócio, tornando as economias endividadas menos competitivas enquanto empobrecem a sua população, levando a incumprimentos tanto em divisa interna como estrangeira, e assim a inquietação social.

No século XIX, quando a teoria do comércio foi elaborada pelos free traders britânicos (mesmo que ela logo tenha sido contrariada pelos proteccionistas americanos e outros economistas progressistas), as despesas com alimentos e outros bens de consumo proporcionavam a base para comparações do custo de trabalho entre países. O défice comercial de hoje dos EUA, em contraste, reflecte como o custo do trabalho é inflacionado por pagamentos ao sector FIRE. As famílias tipicamente pagam 40% do seu rendimento pelo serviço da dívida hipotecária e outros encargos, 15% para outras dívidas (juros de cartão de crédito e comissões, empréstimos para carro, empréstimos para estudante, etc), 11% do salário retido no FICA [NT 3] para Segurança Social e Medicare e cerca de 10 a 15% para outros impostos (de rendimento e impostos sobre o consumo). Para coroar, o fardo financeiro da dívida alavancada imobiliária e do consumo é agravado pela poupança de poupança forçada posta de lado e entregue a administradores de dinheiro para investimento financeiro nestes instrumentos alavancados por dívida e salários "financiarizados" retidos para Segurança Social. Evitar estes passivos fiscais pela utilização de planos pré-pagos excluídos da tributação actual é um meio mais estável e confiável, como tem mostrado a experiência alemã.

(4) Governação global. Quem estabelecerá as regras? E no interesse de quem serão elas estabelecidas? Ao discutir acima a austeridade , por exemplo, precisamos perguntar "austeridade para quem?"

O papel corrosivo da dívida e o principal problema a confrontar os países de hoje e portanto dívida é o centro de planos rivais para a governação global. A mais premente escolha política é se cancelamos hipotecas e outras dívidas para reflectir a capacidade de pagar. Se estas dívidas não forem canceladas, o resultado será a deflação pela dívida que pode destruir economias inteiras. Como proprietários de casas e de negócios têm de pagar o seu rendimento aos seus banqueiros – não gastando em bens e serviços – então o emprego e o produto nacional terão de continuar a encolher.

Mas cancelar as dívidas significará que os bancos e os 10% mais ricos da população perderiam a vantagem financeira que lhes permite reduzir os 90% da base à servidão da dívida. Até agora, estes interesses especiais estão a dominar a política económica nacional no Norte – e é no rastro da resultante deflação da dívida que eles estão a olhar para as economias BRIC.

Sumário

A máxima "Seja qual for o rendimento de que o arrecadador fiscal abdique, ele está disponível ("livre") para ser comprometido a credores como juro" é a descrição definidora do que a não tributação da riqueza tem significado para os agentes financeiros. Isenções fiscais sobre o imobiliário, por exemplo, deixam mais fluxo de caixa disponível para ser pagos a banqueiros hipotecários, cujos empréstimos capitalizam o excesso não tributado no crédito permitindo a compradores utilizarem-no para aumentar preços de habitação e espaço de escritório. Isto leva economias a carregarem-se com dívida em nome da elevação de preço. Os preços por bens e serviços também ascendem enquanto o rendimento do consumidor é esmagado quando impostos mais baixos sobre a propriedade obrigam o governo a tributar mais o trabalho e a elevar impostos sobre vendas.

Este favoritismo fiscal pró-rentista é o oposto das reformas da teoria económica clássica e está destinado a fracassar. Os seus promotores têm a audácia de afirmar que Adam Smith, J.S. Mill e seus seguidores são os santos patronos da sua ideologia neoliberal. Eles ignoram o facto de que a economia política clássica endossou um conjunto amplo de serviços públicos e apoio social fora do mercado. Os Estados Unidos subsidiaram a sua decolagem industrial pela percepção de que estradas, saúde pública e outros serviços básicos deveriam ser proporcionados gratuitamente ao invés de serem sobrecarregados com encargos intrusivos de portagens.

A ideologia neoliberal assevera que tal investimento e regulação públicos constitui a "estrada para a servidão" e propõe em seu lugar o que pode ser melhor definido como a estrada real da servidão pela dívida – favoritismo fiscal por dívida alavancada seguido pela deflação da dívida e austeridade.

Políticos cujas campanhas são financiadas pelos lobbistas do sector FIRE legislaram sistemas fiscais que favorecem a alavancagem da dívida. O mito é que todo o crédito, para qualquer finalidade, é um custo necessário de fazer negócio. Assim, à dívida portadora de juro é concedido favoritismo fiscal. Tonar os pagamentos de juros (mas não de dividendos) favores fiscalmente dedutíveis alavancando dívida e tributar ganhos de capital a apenas uma fracção dos salários ou lucros também desvia crédito bancário que alimenta a inflação de preços de activos. Isto distorce decisões de investimento, tal como faz a política de tributar ganhos de capital a apenas uma fracção da taxa imposta sobre o rendimento "ganho" (salários e lucros de negócios). Ambas as políticas encorajam a falsa criação de riqueza através da inflação de preços de activos. O efeito é concentrar riqueza de maneiras que os economistas clássicas definiram como improdutivas – investimento à procura de "renda económica" (rendimento sem o correspondente custo de produção) e elevar preços de terras a que J.S. Mill chamou um "incremento não merecido".

A moral é que a reforma financeira deve ir par a par com a reforma fiscal. Os neoliberais discordam. Reflectindo o lema de Margaret Thatcher, "There is No Alternative" (TINA), eles ignoram a alternativa advogadas por dois séculos de reformadores clássicos. Desde Adam Smith e os fisiocratas até John Stuar Mill e mesmo Winston Churchill, a plataforma do mercado livre era tributar a renda económica da terra a fim de manter baixo o preço da habitação e dos impostos que incidem sobre o trabalho e a indústria.

A Era Progressiva estendeu o objectivo de minimizar a renda económica em mãos privadas ao manter monopólios naturais tais como transportes e comunicações no domínio público, ou pelo menos regulando os preços que eles podiam cobrar e encorajando acções ao invés de financiamento por dívida. Os Saint-Simonianos, por exemplo, esperavam organizar bancos como fundos mútuos, proporcionando crédito por acções aos seus clientes a fim de manter os retornos financeiros alinhados com o que os tomadores dos empréstimos realmente ganham.

A reacção política promovida pelos rentistas de hoje contra a teoria económica clássica inverte estas políticas. Aspirantes a privatizadores da infraestrutura pública e a monopólios procuram renda económica – mas não deixariam que você partilhasse seu segredo. Políticos são apoiados principalmente pelo sector FIRE, cujos apoiantes vêm empréstimos hipotecários e empréstimos para compra como o seu mercado principal. A tragédia da nossa época é que a maior parte do crédito é oferecida para a compra de oportunidades de extracção de renda, não para a formação de capital produtivo. Os bancos preferem antes emprestar contra propriedade já existente – imobiliária ou empresas – do que financiar novo investimento de capital.

Assim, retornamos a como privatizar o domínio público e financiarizar a economia é afim a uma derrota militar. Para defenderem-se, os países BRIC precisam isolar-se da criação global de dívida. O "diálogo" a que a vossa conferência apela quanto às regras para "nova governação global" é improvável que alcance um consenso sob as condições de hoje nas quais os Estados Unidos e a UE, o Banco Mundial e o FMI, estão a pressionar por austeridade. Eles estão a apelar a um sacrifício da Segurança Social do trabalho e de poupanças de pensão a fim de extrair pagamento para a dívida excessiva que foi permitido desenvolver-se. Não há discussão de aumento da competitividade nacional pela comutação do fardo fiscal para fora do trabalho e da indústria e para dentro da renda económica e da dívida alavancada. Isto é um deliberado ponto cego na política fiscal e financeira neoliberal de hoje.

Se bem que os poucos que estão a tornar-se ricos para além dos seus sonhos mais loucos (ou da elegante tagarelice encontrada na maior parte dos manuais dominantes de teoria económica), a globalização segundo linhas rentistas assumiu uma forma corrosiva. Ao invés de ser um programa de ganho mútuo, ela encorajará uma portagem rentista privatizada numa economia sofrendo de profunda deflação da dívida. Dado o ponto de vista dos banqueiros promovido pelo FMI e o Banco Mundial, a vossa tarefa deve ser permanecer livre da sua influência.

A principal ameaça aos vossos interesses económicos é a crescente pressão global de hoje para retroceder a políticas que cortam padrões de vida, investimento de capital e despesas de infraestrutura a fim de pagar dívidas públicas e privadas em crescimento exponencial. A realidade é que a menos que as dívidas sejam canceladas por muitos países – ou pelo menos reduzidas à capacidade razoável de pagamento sem generalizar arrestos e uma perda de autonomia nacional para os planeadores centrais no FMI – a economia mundial sofrerá polarização financeira entre credores e devedores, culminando no colapso social.

Tal austeridade económica e dependência da dívida não são necessárias. Há uma alternativa.

(1) Não permitir que estranhos e investidores absenteístas conduzam a taxa de câmbio da sua divisa através da compra dos seus activos com crédito do "teclado do computador" de que vocês não precisam e podem criar por si próprios.

(2) Não abdicar da criação de dinheiro em favor de bancos que objectivam extrair juros pelo financiamento de compras alavancadas por dívida ou especulação com a divisa.

(3) Utilizar o vosso sistema fiscal e política regulamentar para encorajar acções ao invés de financiamento por dívida, e controlar a criação de moeda.

(4) Promover o investimento do excedente económico do Brasil na elevação da produção e dos padrões de vida, de modo a criar uma retro-alimentação positiva entre níveis salariais mais elevados e produtividade, portanto competitividade global mais alta.

Em causa está o conceito do que realmente constitui mercados livres. Deverão eles estar livres de invasores e especuladores financeiros, ou livres do monopólio e do privilégio especial? A economia política clássica do século XIX procurava impedir que o "almoço gratuito" (a renda económica) elevasse os preços da terra e das matérias-primas e manter a criação financeira de crédito e de monopólios relacionados no domínio público como a sua base fiscal natural. O objectivo era promover rendimento produtivo "ganho", não apenas assumir que todo rendimento era ganho de modo razoável e isto deveria ser o objectivo hoje para um mercado verdadeiramente livre que funcione para todos os participantes.

Felizmente, o Brasil e seus companheiros membros do BRIC têm uma oportunidade para criar a versão clássica de mercados livres do século XIX, com pesos e contra-pesos que foram destruídos no Norte por políticos apoiados pela finança neoliberal.

16/Setembro/2010

Notas

1 Para uma longa história deste debate ver Stephen Zarlenga, The Lost Science of Money: The Mythology of Money - The Story of Power (American Monetary Institute, 2002).

2 Descrevo esta contracção económica em "Saving, Asset-Price Inflation, and Debt-Induced Deflation," in L. Randall Wray and Matthew Forstater, eds., Money, Financial Instability and Stabilization Policy (Edward Elgar, 2006):104-24, and "Trends that can't go on forever, won't: financial bubbles, trade and exchange rates," in Eckhard Hein, Torsten Niechoj, Peter Spahn and Achim Truger (eds.), Finance-led Capitalism? (Marburg: Metropolis-Verlag, 2008):249-272.

3 Descrevo isto em America's Protectionist Takeoff 1815-1914 : The Neglected American School of Political Economy (ISLET, 2010), and Trade, Development and Foreign Debt : A History of Theories of Polarization v. Convergence in the World Economy (London: Pluto Press, 1992; new ed. ISLET 2010).

[NT 1] Progressive Era : Nos EUA chamam assim ao período que vai da década de 1890 à de 1920.

[NT 2] Depletion allowance: Importância correspondente à diminuição do valor de recursos (minerais e florestais) resultante de sua exploração, podendo ser computada como custo ou encargo da empresa em cada exercício.

[NT 3] FICA: Federal Insurance Contributions Act.

http://www.advivo.com.br/blog/luiz-lima/a-crise-da-divida-como-o-brasil-pode-se-defender-da-financeirizacao#more

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